São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2006

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ARTIGO

Brasil pode se tornar a Arábia Saudita

THOMAS L. FRIEDMAN
COLUNISTA DO "NEW YORK TIMES"

A cada vez que a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) exagerava no esforço de empurrar os preços para cima, nos anos 70, o lendário ministro do petróleo da Arábia Saudita, xeque Zaki Yamani, gostava de lembrar aos colegas que a Idade da Pedra não havia terminado devido a uma falta de pedras.
A era do petróleo não vai se encerrar porque faltará petróleo. Ela acabará porque o preço do petróleo subirá tanto que alguém terminará por desenvolver alternativas. Yamani estava alertando seus colegas para que controlassem sua cobiça e evitassem estimular o desenvolvimento dessas alternativas.
Tarde demais, o barril de petróleo a US$ 70 teve exatamente esse efeito. Uma das as alternativas mais promissoras é o etanol, combustível feito de milho, cana-de-açúcar ou qualquer biomassa. Vim ao Brasil para tentar compreender melhor o que é verdade e o que não é na história do etanol, porque nenhum outro país é tão pioneiro quanto o Brasil no uso do álcool como combustível.
Minha impressão, depois de conversar com diversos especialistas brasileiros, é que não só o etanol é real como nem mesmo começamos a explorar todo seu potencial. Com alguns avanços tecnológicos, o Brasil realmente pode se tornar a Arábia Saudita do açúcar.
Desde os choques do petróleo dos anos 70, o Brasil, depois de muitos ciclos de tentativa e erro, transformou o etanol em parte de seu cotidiano. Como o etanol à base de açúcar oferece quilometragem equivalente a cerca de 70% da obtida com a gasolina, os motoristas fazem as contas para determinar se o preço do álcool está pelo menos 30% abaixo do preço da gasolina. Caso esteja, muitos deles optam por encher o tanque de cana-de-açúcar. Assim, o Brasil substituiu por etanol cerca de 40% da gasolina que consumia.
Visitei a usina de açúcar Cosan, em São Paulo, a maior processadora de cana-de-açúcar do Brasil. Chegar lá exige que sobrevoemos um oceano verde. As plantas são colhidas e carregadas em grandes caminhões, que as transportam à destilaria.
Lá, o suco é extraído e convertido em açúcar ou etanol. O bagaço remanescente alimenta imensas caldeiras a vapor que geram eletricidade suficiente para acionar o processo de refino e propiciar um excedente revendido à rede elétrica.
Por fim, quando a cana é colhida, o topo e as folhas muitas vezes são abandonados nos campos. Mas essa biomassa tem rico conteúdo de celulose que poderia ser aproveitado e, se o açúcar aprisionado na celulose fosse extraído, seria possível produzir volume ainda maior de etanol. Existe uma corrida, no momento, para desenvolver esse tipo de processo. A expectativa é de que as tentativas obtenham sucesso dentro de cinco anos, e quando isso acontecer será possível extrair "mais que o dobro de etanol de cada pé de cana", disse José Luiz Olivério, vice da Dedini, uma das gigantes da indústria.
Perguntei aos especialistas brasileiros o que eles fariam caso estivessem na Presidência dos EUA. A resposta de consenso foi que exigiriam que as empresas petroleiras americanas oferecessem álcool em todos os postos de gasolina que controlam no país. Eles também requereriam que as montadoras de automóveis dos EUA adotassem sistemas que permitam uso de combustíveis múltiplos em todos os seus modelos, além de alterar os padrões de consumo de combustível e eliminar a absurda tarifa de US$ 0,54 que impusemos à importação de etanol de cana-de-açúcar. Depois disso, bastaria permitir que o mercado funcionasse. A demanda por etanol dispararia. Isso aceleraria o ciclo de inovação, resolvendo mais rápido o problema da extração de etanol da celulose, reforçando as democracias em nosso hemisfério e debilitando os petrocratas no Oriente Médio. Pena que não sejamos tão inteligentes quanto o Brasil.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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