São Paulo, terça-feira, 16 de setembro de 2008

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Vinicius Torres Freire

Ficou barato, por enquanto


Questão maior agora é saber quem está na ponta do calote do banco falido e quem será a próxima vítima entre bancos

DADO O tamanho da lambança, até que ficou barato o efeito da quebra do Lehman Brothers, amenizado pela venda do Merrill Lynch na xepa bancária que se instalou na tarde de domingo no Fed de Nova York. Como o Lehman estava marcado para morrer desde março, muita gente havia saído de posições que evidentemente seriam mais afetadas pelo fim do banco. O fato de o BC dos EUA ter criado várias linhas de crédito emergencial e camarada para o sistema financeiro também atenuou os efeitos da explosão, linhas que não havia quando o Bear Stearns foi à breca, em março.
Aliás, ontem o Fed anunciou que vai aceitar papéis ainda mais reles como garantia de crédito para bancos.
Quem será a próxima vítima? Dos grandes bancos de investimento de Wall Street, três dos cinco irmãos faleceram: Bear, Lehman e Merrill.
Sobraram Goldman Sachs e Morgan Stanley. Foram à breca mais ou menos pelo mesmo motivo: papéis imobiliários e excesso de alavancagem. Estima-se que o Lehman estivesse alavancado em mais de 30 vezes. Grosso modo, isso quer dizer que, para US$ 1 de capital próprio, o banco tinha "emprestado" US$ 30 para fazer negócios. Os papéis imobiliários valem talvez 10% do valor "original", e nem têm compradores.
Mas o caso não pára aí. O Lehman entrou em zilhões de CDS, contratos de seguro de dívida (recebe um dinheiro periódico de um cliente, que, em troca, receberia do banco o valor de um calote que eventualmente levasse de uma terceira parte). E muita gente também fez CDS para se precaver contra a quebra-calote do Lehman. O banco tinha ainda "hedgeado" (protegido) operações de terceiros com contratos futuros de petróleo, com índices de ações etc.
Um calote pode levar a outro, num dominó de quebras e liquidações.
Ainda não quebrou nenhum banco grande -banco estritamente falando, que recebe depósitos (não é o caso dos três irmãos mortos). Tem um no bico do corvo, o Washington Mutual. Se um banco comercial quebra, pode afetar ainda mais imediatamente a economia "real" e incentivar corridas (saques em massa) contra outras instituições.
Falências elevam o custo de proteção contra calote e apertam e encarecem o crédito. Todos os indicadores usuais do medo financeiro ontem gritavam "perigo": índices que medem risco em Bolsa, CDS, juros de títulos que não têm "investment grade", "risco país" emergente, juros do Tesouro dos EUA. Os juros "básicos" dos EUA (juros entre bancos) chegaram de manhã a 6%, sinal agudo de medo de emprestar. O Fed procura manter tal taxa em 2% (é a "Selic" deles) e teve de injetar liquidez (dinheiro) nesse mercado.
Menos crédito, menos financiamento de atividade econômica. Menos consumo e comércio. A crise assim encosta no Brasil: há menos crédito para empresas brasileiras e a recessão no mundo rico diminui o consumo dos nossos produtos.
Fundos e instituições que podem comprar papéis podres na bacia das almas ainda esperam o fim da feira para fazer a xepa que daria fim à espiral da morte, fundo do poço que depende ainda da redução do número de calotes imobiliários. Ou, então, de algum modo o governo teria de comprar tais papéis em massa e imprimir dólares para pagar a conta.

vinit@uol.com.br


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