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Falha "geológica" expõe sistema frágil
Abalo sísmico no mercado financeiro revela como o setor construi inovações e se expandiu em bases inconsistentes
Operações da banca privada sem fiscalização oficial ruem e dificultam avaliação exata das perdas, necessária para controlar colapso
GILLIAN TETT
DO "FINANCIAL TIMES"
Nesta década, o sistema financeiro ocidental parece uma
cidade do Terceiro Mundo,
construída sobre uma falha
geológica e crescendo em ritmo
acelerado. Em teoria, seus bem
remunerados habitantes sempre souberam que um grande
terremoto era possível e chegaram até ocasionalmente a olhar
através da lama para verificar
as fundações dos edifícios.
Mas a maior parte dos financistas estava tão ocupada com a
expansão de seus negócios que
essas verificações de segurança
em geral foram perfunctórias.
E as pessoas pagas para monitorar as fundações -as autoridades regulatórias- encontraram dificuldades para realizar a
tarefa em meio à neblina que o
frenesi de construção e inovação do setor fazia levantar.
Agora, porém, o terremoto
chegou, e com uma violência
que poucos esperavam. E à medida que nomes como o do Lehman Brothers desabam numa
nuvem de poeira, torna-se chocantemente óbvio até que ponto eram frágeis algumas das
fundações das finanças modernas, tendo em conta as vastas
atividades que sustentavam.
Em retrospecto, por exemplo, hoje parece loucura que as
autoridades tenham um dia
permitido a uma instituição como o Lehman operar nos últimos anos com nível de alavancagem de 35 vezes ou mais seu
capital. Afinal, com tamanhas
dívidas empilhadas numa base
minúscula de capital, não é necessária uma grande deterioração nos preços dos ativos para
causar pânico.
Mas ficou também dolorosamente evidente que a infra-estrutura logística que sustenta o
moderno sistema financeiro é
preocupantemente instável em
parte porque foi montada ao
improviso, por diversos protagonistas do setor privado.
Tomem por exemplo o mercado de CDS ("credit default
swaps"), que movimenta US$
62 bilhões. Grupos como a ISDA (Associação Internacional
de Swaps e Derivativos) vêm
trabalhando incansavelmente
nos últimos anos para criar
contratos legais que estipulem
o que acontece quando a contraparte num contrato de CDS
quebra. E nas últimas 48 horas
a ISDA vem trabalhando com o
Fed de Nova York a fim de implementar esses procedimentos no caso do Lehman.
Mas ainda não está claro, e isso é muito grave, se essas medidas bastarão para compensar o
pânico. O mercado de derivativos se baseia em contratos privados e bilaterais que podem
variar em termos de detalhes.
Muitos bancos não têm recursos para enfrentar as dificuldades logísticas da liquidação de
uma montanha de transações.
Na melhor das hipóteses, isso
significa que o mundo do crédito poderia agora enfrentar semanas de incerteza; na pior, alguns mercados poderiam se
congelar, criando reações em
cadeia e tornando ainda mais
difícil estabelecer o valor dos
ativos de crédito problemáticos, no Lehman e outros.
Não surpreende que siga
existindo incerteza quanto ao
escopo exato dos ativos tóxicos
do Lehman (as estimativas vão
de US$ 40 bilhões a US$ 80 bilhões). Nem que as autoridades
regulatórias agora lamentem
seu fracasso em reforçar as
fundações do setor de derivativos negociados privadamente.
É justo apontar que os bancos haviam criado planos, recentemente, para enxugar os
contratos CDS e colocar essas
atividades em uma Bolsa regulamentada, em lugar de depender de transações privadas bilaterais, sem fiscalização oficial. Mas essas reformas sensatas não se materializaram ainda, e já se tornaram necessárias, o que explica a corrosiva
sensação de incerteza.
A boa notícia, claro, é que os
acontecimentos estão acelerando o processo de reforma e
forçando bancos e corretoras a
considerar essas questões seriamente. Caso o sistema de
derivativos consiga cambalear
até a semana que vem sem congelar, no futuro ele parecerá
mais confiável.
Ainda mais importante, as
quebras e as fusões estão removendo parte da capacidade excedente e da alavancagem que
vinham prejudicando o sistema financeiro. Essa é uma precondição essencial para a recuperação. De fato, existe uma
boa chance de que, quando os
historiadores narrarem a história, retratem a implosão do
Lehman como o ponto mais
baixo do grande choque do crédito em 2007/8.
No entanto, antes que uma
verdadeira recuperação possa
começar, há ainda um desdobramento necessário: os investidores têm de começar a crer
que preços genuínos de liquidação surgiram para os ativos
tóxicos que residem nas carteiras do Lehman e de outros.
E, embora os acontecimento
possam acelerar essa limpeza,
o momento crucial ainda não
chegou em larga escala. Restam
muita incerteza e opacidade.
Aguardem novos choques.
Talvez ainda precisemos de
muitos meses antes que os destroços de uma década de exageros financeiros sejam removidos.
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