São Paulo, quinta, 16 de outubro de 1997.




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Por que me orgulho do presidente FHC

ALOYSIO BIONDI
Clinton apareceu no Planalto, o presidente FHC não deixou por menos: fez um discurso incisivo, corajoso, avisando seu colega que a "globalização não deve ser imposta" pelos países ricos, em proveito dos países ricos à custa dos países menos desenvolvidos, como o Brasil.
Por pouco, o presidente brasileiro não chegou a dizer, com todas as letras, a mesma coisa que os críticos "bocós", "dinossauros" vêm tentando mostrar nos últimos anos: que a teoria da "globalização" é apenas uma roupagem nova, um disfarce, para os EUA se apossarem dos mercados, patrimônios, riquezas mundiais. Uma estratégia que, no caso brasileiro, sempre teve a cooperação escandalosa da equipe econômica FHC/BNDES.
Pode-se suspeitar que o corajoso discurso de FHC tenha sido apenas uma encenação, já que ele tem não apenas pactuado, mas contribuído para a destruição da economia nacional. Uma bravata, para seduzir a opinião pública.
Da mesma forma que toda a "onda" em torno dos desaforos cometidos pelos organizadores da visita de Clinton pode fazer parte, também, de maquiavélica estratégia para dar a impressão de que ainda existe alguma reação, no Brasil, contra a aviltante situação de "newcucarachos" a que os milhões de brasileiros fomos atirados.
Ronco no palanque, enquanto a política de destruição da economia nacional persiste, sem nenhum esboço de reação das lideranças empresariais, políticas, classe média e povão. A coragem do presidente FHC é motivo de orgulho, sim. Mesmo que tudo não passe de palavras vazias.
Milagre brasileiro
O mundo se curva diante do Brasil. Nenhum governo, em tão curto espaço de tempo, meros três anos, jamais conseguiu isto: transformar um saldo positivo de US$ 15 bilhões na balança comercial (exportações superiores às importações) em um rombo também de US$ 15 bilhões. Por ano. Fabricar um rombo total de US$ 30 bilhões ao ano é uma façanha mundial que só pode nos encher de orgulho.
Modernização
A indústria de semicondutores é uma das bases da fabricação de eletroeletrônicos. Neste ano, o Brasil importará US$ 1,6 bilhão em semicondutores. Produzirá, aqui dentro, o equivalente a apenas US$ 80 milhões. Por quê? Em 1989, havia 223 fábricas brasileiras nessa área. Agora, existem cinco. Não é engano, não: 218 fábricas fecharam. É a "modernização", a "conquista da tecnologia" trazida pela globalização. Pelo corajoso governo FHC.
Dólares
Na semana passada, manchetes sobre a enxurrada de dólares para os países latino-americanos, Brasil inclusive. No caso da Argentina, US$ 1,6 bilhão em setembro. Dólar para quê? Bancos norte-americanos emprestaram US$ 1,1 bilhão -para uma empresa operadora de TV a cabo. Argentina? Não.
Um grupo norte-americano, que comprou uma empresa local em 1994. Outros US$ 600 milhões foram para o grupo Santander comprar um banco argentino. Argentina, Brasil. Dólares para o país? Não. Para abocanhar o patrimônio já existente.
Naufrágio
Desde maio, as vendas do comércio vêm em queda. As entidades empresariais "capachildas", e os analistas Polianas, tinham uma explicação otimista para o problema: "o consumidor está preferindo pagar dívidas, para chegar ao Natal com o crédito recuperado". Léria. Em setembro, o número de consumidores em atraso que liquidaram dívidas caiu 25%, de 196 mil para 145 mil. Nem compras, nem pagamento de dívidas.
O número de novos inadimplentes voltou aos 270 mil, ou quatro vezes a média histórica. Cheques sem fundos avançaram 30% e atingiram o dobro da média histórica.
Supermercados anunciam que só farão encomendas equivalentes a apenas 60% do ano passado, para o Natal. Lojas de eletrodomésticos, idem. Não haverá aumento do emprego, renda, consumo na indústria e, por extensão, na economia. O presidente FHC encaminha o país para um Natal memorável.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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