|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
A quadrilha do refrigerante
Os intrépidos repórteres
identificaram o movimento criminoso e ficaram "de campana" -como se diz no jargão
técnico da polícia. Eram os rapazes que assassinaram o índio
Galdino, cumprindo pena em
prisão semi-aberta e cometendo
atos suspeitos.
Um dos rapazes saiu do presídio de carro. Quando vi a cena,
filmada clandestinamente e com
arrojo, imaginei que a reportagem estaria atrás de um desses
carros comprados sem tributação por grupos que se especializaram em liminares contra o
contribuinte substituto -não
pagam na compra nem na venda. Há casos desses em todo o
país, e aquele carro poderia ser
um deles, pensei eu, dado o aparato envolvido na investigação.
O rapaz parou em um posto de
gasolina e abasteceu o carro.
Imaginei que a reportagem estaria ali para denunciar mais um
posto da imensa rede de crime
organizado formado em torno
de distribuidoras fantasmas, que
não pagam a Cide (contribuição
sobre o consumo de combustíveis) na refinaria nem depois, ou
que adulteram combustível, movimentando centenas de milhões
de reais. Também não era.
O que poderia ser, então?
Quando a câmera deu o flagrante do rapaz sacando o seu celular, imaginei que fizesse parte da
conexão da Receita -os fiscais
que se especializaram em aplicar
multas estrondosas em empresas
e, depois, aliviar a multa no
computador. Também não era.
Quando o rapaz entrou em um
recinto, supus que a denúncia
chegasse ao sistema de bingo e
de máquinas de azar que continuam operando centenas de milhões de reais em todo o país, ao
arrepio da lei. Também não era.
Finalmente, o mistério se desfez. Um dos rapazes foi fotografado tomando refrigerante em
uma lanchonete e namorando
no intervalo do trabalho. E a legislação proíbe que condenados
em regime de prisão semi-aberto
se encontrem com pessoas suspeitas sem expressa autorização
do juiz. Ainda mais para namorar.
Outros justiceiros da lei entraram em ação. Soube-se que o
promotor Maurício Miranda,
com base na Lei das Execuções
Penais, entrou com uma ação
para impedir os rapazes de estudar e de trabalhar. Mas eles continuaram estudando e trabalhando, num flagrante caso de
mau exemplo a todos os jovens
do país.
Instigado pelos jornais, o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh,
defensor das mais elevadas causas nacionais, caprichou no verbo e utilizou a melhor adjetivação para repercussão de episódios dessa natureza: declarou-se
"estarrecido". Em geral, nesses
trabalhos de repercussão da imprensa, as fontes se valem de três
adjetivos preferenciais: se sentem "revoltadas", "indignadas"
ou "estarrecidas". "Estarrecido",
em geral, é utilizado para casos
de denúncia de pedofilia, informação de que o crime organizado dominou amplos setores da
sociedade, execução sumária de
grávidas. Portanto estava mais
que adequada para a cena escabrosa do rapaz tomando refrigerante na lanchonete. "Horripilante" traria mais impacto, mas
o nobre advogado maneirou na
adjetivação.
Se aprofundar as investigações, o Ministério Público do
Distrito Federal talvez descubra
que os jovens possam ter subornado os carcereiros com sanduíches e pizzas entregues clandestinamente em quentinhas.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Mudança: Deputados aprovam nova Lei de Falências Índice
|