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ARTIGO
A próxima vítima pode ser o seu salário
É provável que próxima área a ser devastada pela crise econômica nos EUA seja a do emprego, com a pior queda nos salários do país desde a Grande Depressão
DAVID LEONHARDT
DO "NEW YORK TIMES"
É possível imaginar que a crise de crédito talvez possa se
amenizar com as medidas já tomadas pelos governos . Mas
uma das grandes lições dos últimos 12 meses foi a de não subestimar a severidade dos problemas econômicos. Eles vão
bem além do setor de habitação
e de Wall Street.
Assim, qual deve ser a próxima área varrida pela crise? É
provável que ela venha a girar
em torno da pior queda nos salários desde -e você sabia que
essa comparação viria- a
Grande Depressão dos anos
1930.
A queda atual não será tão catastrófica quanto a ocorrida
durante a Depressão, mas também será bem diferente de
qualquer coisa que o país tenha
enfrentado por um longo período.
A renda do domicílio médio
norte-americano, ou seja, o domicílio localizado no ponto médio da distribuição de renda,
provavelmente será mais baixa
em 2010 do que uma década
antes, um indicador espantoso.
Isso não acontecia desde os
anos 30. O salário médio hoje já
é um pouco inferior ao de 2000,
e em 2010 ele poderá ter caído
em mais de 5% ante seu pico
anterior.
Caso você estude os resultados das pesquisas de opinião
pública das últimas décadas,
perceberá que nada prevê o clima da opinião pública como o
crescimento da renda.
Quando a renda está crescendo em ritmo vigoroso, como
aconteceu na metade dos anos
1980 e no final dos 1990, os norte-americanos tendem ao otimismo. Na mais recente pesquisa de opinião pública do
"New York Times" e da rede de
TV CBS, 89% dos respondentes
afirmaram que o país "havia
perdido seriamente o rumo",
um nível recorde.
Padrão de vida
Assim, seria razoável esperar
que a grande derrocada salarial
do começo do século 21 vá se fazer sentir pelos próximos anos.
A queda do salário influenciará
o padrão de vida, o consumo e o
crescimento econômico nos
Estados Unidos e ajudará a definir a atmosfera política sob a
qual o próximo presidente dos
EUA terá de trabalhar.
Os acontecimentos das últimas semanas removeram
quaisquer dúvidas sérias quanto à economia estar em recessão.
Em uma recessão, as empresas reduzem o número de horas
trabalhadas por seus funcionários, oferecem aumentos inferiores à inflação e freqüentemente deixam de pagar bonificações.
Esses cortes no número de
horas trabalhadas e na remuneração representam o principal efeito de uma desaceleração
sobre as famílias, porque uma
proporção relativamente pequena de trabalhadores perde
seus empregos.
Todas as recessões recentes
resultaram em corte efetivo de
salário da ordem de entre 3% e
7%, para uma família típica. A
queda tipicamente acontece ao
longo de um período de cerca
de três anos e dura mais do que
a recessão o faz oficialmente, já
que os salários demoram a se
recuperar diante da inflação.
As recentes turbulências -a
paralisação nos mercados de
crédito, a queda nas Bolsas de
Valores, a aceleração nas demissões- tornam improvável
que essa recessão venha a ser
especialmente amena.
"O maior prejuízo acontecerá em 2009", disse Nariman
Behravesh, economista chefe
da consultoria Global Insight.
"E provavelmente não veremos
avanços nos salários antes de
2011."
O que tornará a recessão diferente, não importa o quanto
seja ou não profunda, é que está
se seguindo a uma expansão
durante a qual a maioria das famílias não registrou avanço de
renda.
O domicílio médio teve renda de US$ 50,2 mil no ano passado, ante US$ 50,6 mil em
2000, de acordo com o Censo.
Essa é a primeira vez na história que uma expansão econômica não estabeleceu um novo
recorde de renda média.
Por que isso aconteceu? Não
existe uma causa única.
Os custos médicos subiram
rapidamente, o que significa
que os pagamentos de planos
de saúde consomem maior porção dos salários do que no passado. Parte desse dinheiro é colocada em uso de maneira útil,
bancando tratamentos que talvez nem mesmo existissem alguns anos atrás; mas outra parte, aquela que desaparece no
redemoinho do ineficiente sistema norte-americano de saúde, é claramente desperdiçada.
E nos últimos dois anos o valor do pacote de benefícios típico do trabalhador médio deixou de subir. Desde 2005, os
pacotes de benefícios se reduziram ligeiramente, diz Jared
Bernstein, do Instituto de Política Econômica. Assim, os benefícios de saúde não bastam
para explicar a recente estagnação salarial.
Concentração no topo
Os fatores mais importantes
envolvem provavelmente uma
combinação do seguinte: novas
tecnologias, comércio internacional, redução dos avanços
vinculados a conquistas educacionais, maior número de famílias com mães ou pais solteiros,
queda continuada na sindicalização e considerável elevação
na desigualdade, o que concentrou os avanços de renda no topo da pirâmide. As opiniões políticas de cada observador provavelmente ditarão as causas às
quais ele atribuirá maior pertinência. Mas as pesquisas econômicas ainda não responderam a essas perguntas de maneira definitiva.
Qualquer que seja a causa, os
efeitos da queda nos salários
serão significativos. Os domicílios já estão começando a cortar seus gastos e o farão ainda
mais no ano que vem. Behravesh prevê que os gastos dos
consumidores, considerada a
inflação, ficarão entre a estagnação e uma queda de 1%, em
2009. Caso ele esteja certo, seria o primeiro ano em que o
consumo não cresce desde
1980, exatamente o último período em que o país atravessou
recessão profunda.
A queda nos salários tornará
mais difícil às pessoas pagar
seus empréstimos. Na semana
passada, o Bank of America
anunciou que seus prejuízos
com crédito ao consumidor haviam triplicado no ano passado.
Em geral, os bancos de todo o
mundo reconheceram US$ 600
bilhões em prejuízos como resultado da crise financeira. A
mais recente análise do FMI
(Fundo Monetário Internacional) sugere que ainda restam
outros US$ 800 bilhões de prejuízos a reconhecer e que boa
proporção deles acontecerá
nos Estados Unidos.
É sempre possível, claro, que
haja boas notícias econômicas
a caminho. A situação também
parecia muito difícil na metade
dos anos 1990, mas surgiu o
boom da internet, e as rendas
começaram a crescer em seu
ritmo mais acelerado desde a
década de 1960.
Mas seria necessário otimismo fanático para prever uma
repetição dessa história. Por
duas décadas, o consumo vem
sendo forte propulsor de crescimento econômico, graças em
larga medida a uma longa alta
nos mercados, à bolha da habitação e à elevação do endividamento dos consumidores.
A alta nos mercados, a bolha
da habitação e a elevação das
dívidas acabaram agora, e os salários começam a encolher.
Um dia o novo grande propulsor de crescimento chegará
de fato, como sempre acontece.
Mas dessa vez terá de superar
fortes ventos contrários.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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