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ARTIGO
Keynes também manda lembranças
JOÃO SICSÚ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nesta Folha, Cesar Benjamin, inspirado, intitulou seu
artigo publicado em 20/9 de
"Karl Marx manda lembranças". O texto fazia um diagnóstico da crise financeira. Agora,
é hora de focar na porta de saída, então, o título adequado
não poderia deixar de conter o
nome de J.M. Keynes.
Marx, um revolucionário, fez
diagnósticos. Keynes, um reformista radical, diagnosticou
o capitalismo e propôs políticas, regras e instituições para
mantê-lo vivo, regulado e a serviço da sociedade. É oportuno,
portanto, destacar que a crise
atual é resultado da falta de regulamentação financeira e da
falta de políticas públicas de
moradia para os cidadãos considerados "subprime". Foi a
falta de Estado e não a sua ação
ativa que causou a crise.
Keynes tem sido lembrado. A
ele tem-se recorrido, principalmente, para explicar a necessidade de intervenção nas instituições financeiras em crise.
Nas obras de Keynes, não há
inclinações ideológicas favoráveis a estatizações ou privatizações. Keynes reconheceu, sim,
a importância de um sistema
financeiro sadio e eficiente como instituição imprescindível
ao bom funcionamento do sistema produtivo. É unicamente
sob essa ótica que as políticas
de resgate de instituições financeiras têm ligação com as
idéias de Keynes.
A crise patrimonial que atingiu grandes instituições abriu o
canal de contaminação do setor real da economia, inclusive,
nos países em desenvolvimento. Nestes, existem dois canais
de contágio do setor real. O canal objetivo das reduções do
crédito e da demanda internacional. E o canal subjetivo, expectacional, da confiança no
futuro da economia. A tendência é que tal base de expectativas seja negativa na medida em
que é influenciada pela volatilidade e pela desvalorização das
moedas domésticas e das ações
negociadas nas Bolsas locais.
O crédito será afetado porque instituições financeiras
que não foram atingidas diretamente estão temerosas e decidiram retrair seus negócios.
Empresários que tinham
planos de investimento vão engavetá-los para esperar o cenário ficar mais nítido. Mesmo
aqueles que não necessitam do
sistema financeiro para investir, produzir ou consumir tenderão a assumir posições defensivas. Portanto, o risco nos
países em desenvolvimento é
que haja uma forte desaceleração das suas economias.
Nos países em desenvolvimento, todas as políticas de
ampliação da liquidez podem
manter a saúde dos sistemas financeiros, mas não serão capazes de restaurar plenamente a
atividade de financiamento.
Essa atividade depende de
expectativas acerca do futuro.
E, durante as crises, potenciais
credores e devedores tendem a
ser pessimistas. Portanto, para
os países em desenvolvimento,
uma saída para ser bem-sucedida deverá ter caráter genuinamente keynesiano. Deverá
promover uma ativação dos
negócios privados estimulada
pelo setor público, que deverá
fazer gastos, realizando obras
de infra-estrutura, contratando mão-de-obra e transferindo
renda àqueles que têm alta
propensão a gastar (que são os
mais pobres) e, portanto, não
vão represar liquidez. A política fiscal de gastos objetiva, ademais, promover uma reversão
do quadro negativo ou excessivamente cauteloso que sustenta a formação de expectativas.
Keynes alertou para a diferença existente entre as políticas de ampliação da liquidez e
as políticas fiscais de gastos. As
primeiras são dependentes de
reações por vezes pessimistas,
enquanto as últimas ativam diretamente os negócios privados da economia. E fazem, portanto, emergir novos argumentos para que os agentes formem expectativas otimistas
acerca do futuro. Keynes junta-se, assim, a Marx para nos
mandar lembranças.
JOÃO SICSÚ é diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea e professor do Instituto de Economia da UFRJ
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