São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2008

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Exportadora toma calote e busca seguro

Com a crise financeira, seguradoras registram aumento de até 122% no número de sinistros até o terceiro trimestre

Empresas têm enfrentado atraso em pagamentos e sinistros em embarques realizados para os Estados Unidos e o Reino Unido


CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Empresas exportadoras de diversas áreas têm sofrido calotes de clientes estrangeiros, em razão do agravamento da crise internacional. Apesar de não haver levantamentos sobre o volume total dos não-pagamentos, seguradoras que cobrem os valores a receber dessas exportações registraram aumento no número de sinistros de até 122% entre janeiro e setembro deste ano, em relação ao mesmo período de 2007.
"Temos tido grandes sinistros em exportações feitas aos Estados Unidos e ao Reino Unido", diz Fernando Blanco, presidente da seguradora Coface, líder desse mercado no Brasil.
É o caso da Incepa. Com 40% de sua produção voltada à exportação, a fabricante de pisos e azulejos cerâmicos deixou de receber de um distribuidor americano, em 2007. Acionou a Coface e conseguiu receber o percentual segurado.
Outra indústria alimentícia, que prefere não se identificar, também não recebeu pela venda de um contêiner de US$ 50 mil para um distribuidor espanhol. Apesar de essa carga específica não estar segurada, usou o sistema de cobrança da seguradora Crédito y Caución e conseguiu reaver parte do dinheiro, após cinco meses.
"Estima-se que no máximo 5% das exportações brasileiras estejam seguradas", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil). "Temos recebido muitos relatos de não-pagamentos, também de empresas que não usam seguros, principalmente das que vendem aos Estados Unidos, onde a crise se originou."
Segundo Castro, o problema deve começar a aparecer como atrasos e dívidas a receber nos próximos balanços. "Dependendo do nível de inadimplência e do valor, o calote poderá afetar a atividade", diz Castro. "Hoje, no entanto, estamos preocupados com a retração financeira e do mercado."
De todo modo, as empresas brasileiras tentam se proteger. A Crédito y Caución registrou aumento de 30% na procura por seus seguros nos últimos três meses. As exportadoras que mais buscam seguro são fornecedores de material de construção e móveis, fabricantes de máquinas e ferramentas, papel e celulose e têxteis.
"Numa situação como a atual, as exportadoras têm mais receio de vender a clientes baseados em outros países", diz Jesùs Cano, presidente da Crédito y Caución no Brasil. "Mesmo quando há histórico de bom pagamento, a situação do comprador no fim de 2007 ou mesmo há dois meses mudou."
Na seguradora Euler Hermes, a situação não é diferente. De janeiro a outubro, a procura pelo serviço foi 50% superior ante igual período de 2007. Se for considerado apenas o período de agosto a outubro, o aumento na demanda foi de 80%.
"Quase todos os exportadores têm problemas de default [falta de pagamento] ou atraso", diz Gilson Bochernitsan, presidente da Euler Hermes no Brasil. "Aumentaram significativamente as notificações de atrasos nos recebimentos."
Além das exportações, os calotes no mercado interno têm colocado as seguradoras em estado de atenção. A Coface, por exemplo, não faz mais seguros que envolvam varejistas do setor de eletroeletrônicos. "Temos mais de R$ 600 milhões de risco nesse segmento", diz Blanco. "Vivemos uma mistura de excesso de exposição com falta de informação no setor."
Para Marcelo Elias, diretor da corretora Marsh, o histórico do setor, no qual os varejistas trabalham muito alavancados e houve grandes quebras, como a da G. Aronson e da Arapuã, pesa na hora da desconfiança.

Barril de pólvora
Mesmo com a injeção de R$ 4 bilhões na indústria automobilística, a situação dos recebimentos na área está longe de ser tranqüila. "O setor automotivo não teve sinistros, mas recebemos informações sobre alguns atrasos de pagamentos de distribuidores", diz Blanco. "Como nosso trabalho é ficar sentado em cima de um barril de pólvora, estamos tentando esvaziar o barril."
De acordo com Blanco, em vez de passar as análises depois dos sinistros, a seguradora comunica aos clientes as ameaças que correm previamente, compartilhando o risco.
Com a receita de seguros de crédito 60% maior do que em 2007, a Coface reduziu os volumes segurados. Antes, segurava até 80% do crédito a receber. Agora, segura 60%. "Entre junho e outubro, negamos 39 apólices", diz Blanco.
A Coface também aumentou em 10% o valor cobrado pelo produto, mas o reajuste poderá chegar a 25%, dependendo do setor e da qualidade da carteira dos clientes. As concorrentes também praticaram aumentos.
"Ao mesmo tempo em que há mais demanda por seguro de crédito, as seguradoras estão mais restritivas", diz Elias.
Mesmo com o aumento dos riscos e dos sinistros, a perspectiva de crescimento tem atraído novos competidores, como a Fator Seguradora e o grupo JMalucelli.


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