São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2008

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

A queda das moedas emergentes


A crise nascida nas mansões dos pródigos vetou a entrada das moedas periféricas nos salões da conversibilidade

ENTRE 2003 e 2007, no auge da Grande Moderação, momento em que prevaleceram a baixa inflação, a liquidez abundante e a avidez pelo risco, as moedas periféricas viveram a ilusão de freqüentar os salões da conversibilidade. A crise financeira nascida nas mansões dos pródigos abastados barrou a entrada dos intrusos e mostrou que os saraus das moedas conversíveis não admitem penetras.
As moedas dos países emergentes, outrora cobiçadas, padecem as dores das desvalorizações agudas. O fortalecimento do dólar -a moeda particular com funções universais- trata com igual desdém justos e pecadores. Desde o won coreano, passando pelo real brasileiro até a rúpia indonésia e o rublo da Rússia, as moedas mais débeis sucumbem ao vendaval de ordens de venda emitidas pelos possuidores de riqueza em busca de proteção e segurança.
Mal iniciada a desalavancagem nos mercados centrais, os investidores decidiram formar posições baixistas nos elos fracos dos mercados globalizados, independentemente dos "fundamentos" que supostamente sustentavam o garboso desempenho das moedas apreciadas.
Com elas, capitularam as Bolsas de Valores e, em alguns casos, os mercados imobiliários excessivamente valorizados. Os "hedge funds" que operam nos países que dispõem de mercados futuros de câmbio passaram a liquidar suas posições e sair com a grana.
A mudança brusca de expectativas torna as políticas monetárias prisioneiras da necessidade de evitar as fugas de capitais e de conter o avanço das desvalorizações. Essas medidas defensivas restringem-se quase sempre à elevação das taxas de juros para defender a moeda local, aliadas a intervenções pouco efetivas nos mercados de câmbio.
A crise acentua o caráter assimétrico dos ajustamentos dos balanços de pagamentos entre países de moeda forte e de moeda fraca. Ao contrário do que sustentam alguns analistas, os citados realinhamentos das taxas de câmbio não contribuem para reverter os desequilíbrios globais: o déficit americano não se reduz, ou se contrai muito lentamente, diante da valorização do dólar. Em compensação, a fuga para os ativos e as moedas de maior risco em direção aos títulos de qualidade permite a queda dos rendimentos, abrindo espaço para o endividamento público e, portanto, para políticas anticíclicas mais agressivas.
Os EUA, devido à capacidade de atrair capitais para os seus mercados, podem se dar ao luxo de reduzir a taxa de juros sem afetar o curso do dólar. A crise financeira reforça a supremacia do dólar e amplia o poder de "seignoriage" da moeda americana. Em contrapartida, a pressão externa sobre as economias emergentes torna mais difícil a execução de políticas fiscais e monetárias anticíclicas. Em um ambiente recessivo, a elevação dos juros para defender a moeda deprime ainda mais a capitalização dos ativos mobiliários, afeta o serviço da dívida pública, atinge a saúde financeira das empresas machucadas pelo faturamento minguante e, "last but not least", aumenta a prudência dos bancos.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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