São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2008

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Para fazer caixa, indústria pede mais prazo a fornecedor

Com a crise, grandes grupos querem alongar em até 90 dias o pagamento de faturas

Empresas que terceirizam mão-de-obra estão entre as mais pressionadas; 10% dos maiores clientes tentam acordo, afirma recrutador


JULIO WIZIACK
DA REPORTAGEM LOCAL

Com menos dinheiro na praça, grandes empresas apertaram as negociações com seus fornecedores, pedindo prazo maior de pagamento. Segundo os prestadores de serviços, essa prática intensificou-se nas últimas três semanas, principalmente entre as companhias que recrutam trabalhadores temporários para a indústria.
Uma das maiores do país, a Gelre afirma que pelo menos 10% das grandes empresas de sua carteira de clientes já pedem o dobro do prazo. Segundo Jan Wiegerinck, presidente da Gelre, antes elas pediam entre 15 dias e um mês. Agora querem, no mínimo, dois meses. Há quem tente três meses.
"Com a crise, a pressão ficou maior. Elas querem que a gente financie ainda mais sua folha de pagamento", diz Wiegerinck. "Neste momento, estamos em negociação, mas esse prazo é impossível, a menos que os bancos que nos financiam também nos dêem prazo maior."
Apenas na Gelre, Sadia, Carrefour e Votorantim, entre outras, estão em negociação. A Sadia confirmou sua intenção de alongar pagamentos, mas informou ter pedido um mês, e não três. As demais, por meio de assessorias de imprensa, negaram as negociações.
Por esse tipo de contrato, as fornecedoras de mão-de-obra selecionam os funcionários que trabalharão temporariamente nas indústrias e pagam os salários. O valor é recebido depois das empresas contratantes.
Segundo a Asserttem (Associação Brasileira das Empresas de Serviços Terceirizáveis e de Trabalho Temporário), os industriários costumam pedir prazos para fazer uma prática conhecida como "float".
Como a fornecedora de mão-de-obra paga primeiro para receber mais tarde, esses recursos já disponíveis no caixa das indústrias ficam rendendo no mercado financeiro ("float"). Com um prazo de pagamento maior, essas empresas conseguiriam deixar esse dinheiro rendendo ainda mais.

O crédito acabou
Na fabricante de cosméticos Empório Bothânico, a situação é dramática. Em plena expansão, prevendo faturar R$ 26 milhões em 2008, o presidente Antônio Mesquita construiu uma fábrica de R$ 3,5 milhões, em São Paulo. A nova unidade, com 2.200 metros quadrados de área construída, produz 1,5 milhão de itens por mês, quatro vezes a capacidade antiga.
Às vésperas de pagar os fornecedores, Mesquita teve canceladas as linhas de crédito previamente acertadas com dois dos maiores bancos privados do país. "Disseram que o momento não era propício", diz.
Desde então, a Empório Bothânico tenta esticar os prazos com fornecedores para 75 dias. Os salários dos 140 funcionários atrasarão em pelo menos cinco dias e há chances de demissões. É possível que haja atraso na entrega das encomendas fechadas para os próximos anos. A empresa também quer trocar o perfil de sua dívida com o BNDES. "Vamos tentar o financiamento do Finame para cobrir nossos gastos com a compra das máquinas que já estão na fábrica," diz.
Tudo isso para correr das firmas de fomento mercantil, conhecidas como factoring. Segundo Mesquita, elas cobram taxas de 5,5% ao mês, contra os 2,3% praticados pelos bancos.
A Folha consultou 15 das maiores firmas que terceirizam mão-de-obra no país. Segundo elas, além da escassez de crédito, pequenas e médias indústrias estão cancelando postos temporários. Isso ocorreu na fábrica de colchões da Probel, em Suzano (SP), e na Komatsu do Brasil, que produz tratores de esteira. Ambas não atenderam a reportagem até a conclusão desta edição. Na construção civil, estima-se que 20% dos temporários foram cortados dos canteiros de obras.


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