São Paulo, sábado, 17 de janeiro de 1998.



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ARTIGO
A agricultura e a lição de casa

EVARISTO MARZABAL NEVES

Início de ano, balanço geral. Particularmente, cada setor da economia contabiliza ativos e passivos e seja o que Deus quiser. Nesse cenário do Plano Real, a agricultura e o agronegócio exercitam também o seu balanço do ano que acabou.
Indicadores econômicos e estimativas evidenciam que o mundo agrícola brasileiro vem "segurando o rojão" na dura missão da estabilidade econômica. Vejamos algumas evidências:
1) A inflação medida pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) foi de 7,74% em 97, a menor registrada desde a sua criação em 1989. Esse índice é composto por três outros: o IPA (Índice de Preço por Atacado, com peso 6) -que registrou alta de 8,07% no ano; o IPC (Índice de Preços ao Consumidor, peso 3) -que se elevou 7,36%; e o INCC (Índice Nacional de Custo de Construção, com peso 1) -que cresceu 7,29% em 97.
Como o grupo alimentação tem o maior peso no IPC e este apresentou alta menor que o IGP-M, credita-se aos alimentos uma das forças de sustentação do menor índice dos últimos oito anos.
O mesmo se pode concluir com respeito à taxa de inflação de São Paulo, que subiu 4,82% em 1997, a menor taxa desde os 3,72% de 1950, segundo a Fipe. No custo de vida dos paulistanos, o setor alimentação cresceu 3,60% em 97. Como ele tem peso próximo dos 40%, é fácil deduzir a importância dos alimentos no controle de preços e na estabilidade econômica;
2) O custo médio da cesta básica em São Paulo (medido pelo Procon, em convênio com o Dieese) chegou a R$ 117,59 no último dia de 97, recorde no Plano Real. Em 30/06/94, na implantação do plano, o custo da cesta foi de R$ 106,40.
Em três anos e meio, a elevação foi de apenas R$ 11,19 -uma elevação de 10,52%. Nesse mesmo período, a inflação medida pela Fipe ficou próxima dos 58%, enquanto o grupo de alimentos acumulou alta de apenas 9,37%;
3) Na balança comercial, as previsões iniciais sinalizavam um déficit que ultrapassaria US$ 12 bilhões em 97. Para surpresa geral, deve ter ficado em torno de US$ 8,5 bilhões. Outra vez, no lado das exportações, produtos do agrobusiness brasileiro foram responsáveis por um fluxo comercial negativo menor.
As vendas de soja e subprodutos devem somar US$ 5,6 bilhões, e as de café, US$ 2,9 bilhões. No geral, o Ministério da Agricultura estima as exportações do setor em torno de US$ 18,4 bilhões, 20,2% mais que em 1996;
4) No outro prato da balança, segundo o Siscomex, as importações de produtos agrícolas deverão experimentar uma queda próxima de 3%, recuando de US$ 7,51 bilhões em 96 para os US$ 7,29 bilhões previstos para 97.
Nessas importações estão incluídos produtos animais e vegetais, gorduras, óleos, ceras, bebidas, fumo e outros. Considerando somente as importações de produtos animais e vegetais (ao redor de US$ 5,3 bilhões), o saldo positivo da balança comercial agrícola é estimado em US$ 13,1 bilhões em 97.
Diante desses indicadores, vamos torcer pela agricultura em 98, para que continue fazendo a lição de casa e para que os tomadores de decisões no país ouçam o Fórum Nacional da Agricultura e as câmaras setoriais do setor.
Estes propõem políticas agrícolas de médio e longo prazos, que privilegiarão, mediante vantagens comparativas e competitivas, uma agricultura profissional, eficiente, capitalizada, geradora de emprego e mais justa internamente, após diagnosticados os pontos fortes e fracos, as oportunidades e ameaças da agricultura brasileira.
Em suma, o fórum e as câmaras modelam as bases da manutenção de inflações reduzidas, de balanças comerciais positivas e de um desenvolvimento sustentado e equilibrado nas suas mais importantes vertentes: crescimento econômico e bem-estar social.
Sonhos? Não, são prognósticos reais. É preciso acreditar. Por ora, na virada do ano, por ter feito a lição de casa, aos trancos e barrancos, ergamos a taça e brindemos: agricultura, saúde!


Evaristo Marzabal Neves, 56, é diretor da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", da USP (Universidade de São Paulo).



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