São Paulo, sábado, 17 de janeiro de 2004

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LUÍS NASSIF

Juros e salsichas

Já se disse que quem gosta de salsicha não deve tentar saber como é o processo de fabricação. Vale o mesmo para o Banco Central.
Durante mais de um ano, o presidente do BC, Henrique Meirelles, reiterou que não caberia ao banco interferir na taxa de câmbio. Durante mais de um ano, economistas e analistas independentes alertaram que não existe taxa de câmbio de equilíbrio em um quadro em que um país, o Brasil, pratica taxas de juros insustentavelmente elevadas, e outros, como Estados Unidos e Europa, taxas de juros insustentavelmente baixas, criando um excesso de liquidez que está longe de se caracterizar como permanente. Uma maneira de impedir esse desequilíbrio seria a recomposição das reservas.
Dias depois da última afirmação do gênero, o BC anuncia que passaria a intervir no mercado para recompor reservas. Mas Meirelles continuava salientando que não iria influir nas cotações. Como é impossível que se recomponham reservas -ou seja, que se aumente a demanda por dólares- sem interferir nas cotações, toca a fazer leituras esotéricas sobre o significado de suas declarações. E a conclusão benevolente é que Meirelles apenas não quis definir o piso do câmbio.
Na verdade, Meirelles julgava ser possível entrar no mercado sem influir nas cotações. Questionado como seria esse processo, respondeu que bastaria adquirir dólares excedentes. Questionado como definiria o percentual de dólares excedente, embatucou.
O importante é que ele acreditava, de fato, que seria possível recompor reservas sem nenhum impacto sobre as cotações. E o BC não tem nenhum diretor com coragem suficiente para alertá-lo sobre erros primários de análise.

Conceitual e o empírico
O método experimental -o estudo da economia e do seu mecanismo à luz da experiência e da observação- nunca se fez entre nós. Os dados ou revelações oriundos da experiência jamais tiveram qualquer significação. Uma mesma experiência que fracasse é renovada indefinidamente, desde que seja considerada "liberal".
Não se procura saber a causa do fracasso: se está na psicologia da população e do empresariado; se nas condições peculiares da economia e de sua morfologia social; se nas deficiências de sua cultura política. Insiste-se sempre, e indefinidamente, na tentativa, renovando sistemas sucessivamente, convencidos todos de que o fracasso ocorrido antes tinha causa exclusivamente nos homens, ou melhor, em alguns homens -os do "partido de cima", e que, se substituirmos esses homens, mediante uma eleição ou mesmo uma revolução, os "outros", os que os substituírem, mostrarão a "beleza do regime"...
Não importa que uma experiência de mais de dez anos tenha mostrado, com rigor de uma lei, que esses "outros", que sucederam aos do fracasso, falharam também, e tanto quanto os outros.
Esse fracasso repetido não impede que os substitutos continuem a insistir na experiência -à maneira das moscas quando tentam atravessar vidraças.
O texto acima é uma livre adaptação do livro "Instituições Políticas Brasileiras", de Oliveira Vianna, escrito nos anos 30.

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