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Vale sofre desgaste em divisão canadense
Após adquirir a Inco em 2006, mineradora brasileira recebe críticas de sindicalistas e enfrenta greve no país
IAN AUSTEN
DO "NEW YORK TIMES", EM SUDBURY, ONTÁRIO (CANADÁ)
Em julho de 2009, os 3.300
trabalhadores sindicalizados
que trabalham nas profundezas das minas de níquel de Sudbury, controladas pela Vale Inco, fizeram algo de incomum:
entraram em greve, mesmo
cumprindo licença temporária.
Mesmo pelos padrões de
uma cidade mineira com um
longo histórico de disputas trabalhistas, os seis meses de paralisação pela ala canadense do
United Steelworkers of America são excepcionais, e não apenas por sua duração.
Para muitos observadores no
Canadá, a greve se tornou um
símbolo dos percalços surgidos
quando o governo permite que
grandes empresas do país
caiam sob controle estrangeiro.
Mesmo antes que a brasileira
Vale concluísse a aquisição da
Inco, em 2006, já havia debate
generalizado no Canadá sobre
o "esvaziamento" do setor empresarial do país.
A Inco havia tentado criar
uma gigante nacional da mineração ao fazer uma oferta pela
Falconbridge, empresa rival.
Mas o esforço frustrado resultou na tomada do controle da
Inco, uma das mais conhecidas
empresas do Canadá, por uma
companhia brasileira que poucos conheciam e da qual muitos
desconfiavam.
"Por mais que brigássemos
com a Inco, as pessoas sempre
tiveram orgulho de trabalhar
na mineração. Agora, esse orgulho parece não existir mais",
diz John Fera, presidente da divisão local do sindicato e cuja
família trabalha na empresa há
três gerações.
Mudança
Depois de uma série especialmente amarga de greves, a
partir de 1985 a Inco adotou
uma nova abordagem e abriu
sua contabilidade interna ao
sindicato, uma decisão que serviu para evitar ao menos uma
greve. Também abriu suas contas aos fornecedores.
Porém, não muito tempo da
aquisição pela Vale, houve uma
mudança, segundo o professor
de administração de empresas
Jean-Charles Chacon, da Universidade Laurentian, em Sudbury. "Eles retornaram ao que
eu chamaria o estilo antiquado.
O que significa não contar coisa
alguma a pessoa alguma."
Fera disse que o sindicato
não só perdeu o diálogo com a
empresa como percebeu um
recrudescimento das medidas
disciplinares contra seus integrantes. Os dois fatores, diz o
dirigente, combinaram-se para
criar um ambiente tenso quando começaram as negociações
do segundo trimestre de 2009.
No começo do ano passado, a
Vale Inco anunciou que prolongaria por dois meses adicionais o fechamento de um mês
de suas operações de níquel no
Canadá, uma decisão que colocou até 5.000 funcionários em
licença involuntária.
A empresa alegou estoques
excessivos e preços baixos para
o níquel no mercado.
Na quarta-feira, o sindicato
apresentou queixa formal contra a Vale Inco, acusando a empresa de má-fé nas negociações. Os trabalhadores apelaram ao Conselho de Relações
Trabalhistas da província de
Ontário para pedir a retomada
das negociações contratuais,
conduzidas por um mediador, e
também solicitaram que a empresa reembolse os grevistas.
"A alegação de negociações
conduzidas de má-fé é infundada", afirmou Cory McPhee,
porta-voz da Vale Inco em Toronto, em mensagem encaminhada por e-mail. Ele acrescentou que a empresa havia procurado o sindicato "em diversas
ocasiões para convidá-los a
conversar conosco e estudar
uma solução. Eles rejeitaram a
ideia todas as vezes".
Na opinião do sindicato, as
exigências da Vale Inco são responsáveis pelo colapso das negociações. Como alguns outros
empregadores canadenses, a
companhia deseja mudar seu
plano de pensões: em lugar de
benefícios garantidos, o modelo dominante em muitas das
grandes empresas do país, as
contribuições seriam definidas
com benefícios variáveis.
Outra proposta é modificar o
plano de divisão de lucros vinculado ao preço do níquel. A
Vale Inco deseja elevar o valor
mínimo de deflagração das bonificações, ideia que o sindicato
aceita -ainda que as duas partes discordem quanto à cotação-base-, e também limitar o
pagamento máximo, o que o
sindicato recusa.
De acordo com o professor
Cachon, a greve é muito mais o
resultado de um choque de culturas de mineração do que de
um confronto de valores entre
brasileiros e canadenses.
A atividade com minério de
ferro da Vale se baseia em minas a céu aberto operadas por
grande número de funcionários de capacitação relativamente baixa. Em minas profundas escavadas na rocha, como a de Sudbury, os mineiros,
bem pagos, são em sua maioria
técnicos com anos de treinamento e aprendizado.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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