|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
O sonho americano
BENJAMIN STEINBRUCH
Na semana passada, em
meio a discussões que envolvem a gestação da Alca, entrou
no site do IATP (Institute for
Agriculture and Trade Policy),
organização não-governamental
americana de Minneapolis, um
documento que pode ajudar a entender por que está tão difícil chegar a um acordo que permita o
nascimento da Área de Livre Comércio das Américas.
O estudo do IATP atualiza dados já levantados um ano atrás
sobre o dumping praticado pelos
Estados Unidos na exportação de
cinco importantes produtos agrícolas: milho, soja, trigo, algodão e
arroz. Dumping, como se sabe, é a
venda de qualquer produto por
preço inferior a seu custo. Os EUA
o combatem ferozmente quando
se trata de mercadorias importadas pelos americanos, impondo
sobretaxas que independem de
comprovação de dano para as
empresas locais. Nas exportações
agrícolas americanas, porém,
praticam o dumping sem nenhum constrangimento.
A tabela que ilustra esse texto
mostra números suficientes para
deixar ruborizado até os menos
fanáticos defensores do livre mercado. O algodão americano foi
exportado em 2002 por um preço
61% inferior a seu custo de produção. Para produzir uma tonelada
de algodão, o agricultor americano gastava US$ 2.097 e essa mesma tonelada era exportada por
apenas US$ 816.
A prática do dumping está comprovada também nos outros quatro produtos agrícolas. No trigo, o
preço de exportação era 43% inferior ao custo de produção. Na soja, 25%. No milho, 13%. E no arroz, 35%.
Para mostrar o volume desse
dumping, o trabalho do IATP faz
um cálculo levando em conta as
exportações americanas de trigo
em 1998, quando o dumping era
de 30%. Naquele ano, as companhias multinacionais com sede
nos EUA exportaram 28,3 milhões de toneladas de trigo, com
um preço de US$ 34 por tonelada
em média abaixo do custo de produção. Isso significa que ofereceram um desconto de US$ 963 milhões para colocar a safra no mercado internacional.
Uma análise apressada poderia
concluir que os EUA prestam um
grande serviço ao mundo, porque
vendem alimentos mais baratos.
Mas a conclusão técnica é exatamente a oposta. Ao vender produtos tão baratos, o que se torna
possível em razão dos subsídios
oficiais, os americanos distorcem
de tal forma as práticas de mercado que arrasam as produções locais dos países em desenvolvimento. Sem condições de competir em volume e preço com os
americanos, os agricultores dos
países mais pobres abandonam a
produção, com efeitos danosos
para toda a economia do Terceiro
Mundo.
Dentro dos próprios EUA, a política de dumping representa um
desastre para os pequenos produtores. Segundo o IATP, as grandes
corporações rurais recebem o
grosso dos subsídios oferecidos pelo governo americano para compensar as perdas com a venda de
produtos abaixo do custo. Por
conta disso, cerca de 90 mil pequenos agricultores abandonaram a produção de 1997 a 2002,
enquanto aumentava o número
de grandes propriedades.
Os tão criticados subsídios agrícolas americanos, na visão do
IATP, são apenas o sintoma da
verdadeira doença que atinge a
agricultura americana, que é o
dumping. Estimativa da OCDE
indica que o apoio global oferecido pelo governo dos EUA à agricultura atinge US$ 50 bilhões
anuais. Só para os produtores de
algodão, segundo argumento de
funcionários brasileiros que
atuam na OMC, teriam sido oferecidos subsídios de US$ 13 bilhões de 1999 a 2002.
Dados como esses mostram
quão difíceis são os obstáculos a
vencer para que o livre comércio
nas Américas se torne realidade
em 1º de janeiro de 2005. O Brasil
quer uma Alca que possa neutralizar os efeitos maléficos dos programas internos de apoio à agricultura americana, para aproveitar suas enormes potencialidades
no suprimento de alimentos ao
continente. Os EUA nem querem
discutir o assunto.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Quem é: Professora da USP estuda a obra de Euclides Próximo Texto: Artigo: A decisão do Cade e o seu contexto histórico Índice
|