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LUÍS NASSIF
O bingo e o novo capitalismo
O artigo de Paul Krugman, publicado na Folha
de domingo -sobre os livros
"American Dynasty", de Kevin
Phillips, e "The Price of Loyalty", de Ron Suskind-, mostra que, pouco a pouco, vai sendo montado o quebra-cabeça da grande farra financeira em
que se converteu o capitalismo
mundial nas últimas décadas.
O artigo de Krugman se limita a lançar luzes sobre os esquemas que cercam o presidente norte-americano, George W. Bush. Mas é interessante
entender o ambiente que permitiu a montagem não apenas
do esquema Bush, mas a proliferação do crime organizado e
de todos os grandes golpes corporativos denunciados nos últimos anos.
Historicamente, cabia aos
Estados nacionais a criação de
um aparato regulatório, não
apenas para permitir o adequado funcionamento da economia, como para separar o legal do ilegal, o lícito do criminoso.
Nos anos 70, houve o fim do
padrão-ouro. Até então, o mercado de câmbio oficial era controlado, havia um movimento
de câmbio paralelo pouco expressivo, o narcotráfico não
adquirira as dimensões de hoje, e não havia a integração do
sistema bancário internacional.
A partir dos anos 70, começou a ocorrer a integração do
sistema bancário e dos mercados cambiais. Ampliam-se os
paraísos fiscais e, neles, há a criação de novas empresas jurídicas, com o objetivo de colocar o dinheiro e as corporações a salvo do controle dos Estados nacionais.
São as chamadas empresas "offshore", muitas delas empresas de fachada, que blindam o dinheiro de seus controladores, separando a gestão (o "limited partner") do investimento (o "general partner").
Muitas vezes são colocados testas-de-ferro nas "limited partners", assumindo as responsabilidades civis e criminais, deixando as empresas livres do controle da SEC e de
outros organismos de fiscalização.
A salvo das estruturas de fiscalização dos Estados nacionais, quebraram-se as barreiras entre as atividades legais e o crime organizado. Foram
criados fundos atrás de retornos expressivos, maiores do
que os das atividades convencionais, que passam a atuar
por meio de empresas de fachada, alguns servindo de biombo
para o dinheiro do crime organizado, outros para golpes contra as próprias corporações.
Os donos da liquidez internacional passaram a conviver no
mesmo ambiente. São os sheiks
árabes ainda sentados em petrodólares, a dinastia Bush, as
Enron da vida, os empresários
italianos tipo Sergio Cragnotti,
os grandes bancos internacionais, dinheiro do narcotráfico,
dinheiro da corrupção política,
mercado negro da venda de jogadores etc.
O Brasil ocupa papel relevante como arena desse tipo de negócio. A privatização sem um
ambiente regulado, a facilidade das contas CC5 e CC4, a derrama fiscal e o florescimento de
atividades clandestinas, culminando com o absurdo da autorização para o funcionamento
dos bingos e videopôquer, tudo
isso criou o campo que hoje explode na atual crise política
que fere o centro do poder institucional brasileiro, com o episódio Waldomiro Diniz.
É importante o país começar
a se debruçar sobre essa questão, mas de forma mais ampla.
O jogo é muito mais pesado do
que a máfia do bingo.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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