São Paulo, terça-feira, 17 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Europa, um continente à deriva

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM MADRI

ESTOU PREOCUPADO com a Europa. Na verdade, estou preocupado com o mundo todo -não há porto seguro contra a tempestade econômica planetária. Mas a situação na Europa me preocupa mais que a dos Estados Unidos.
Não estou começando aqui uma repetição da queixa comum norte-americana de que os impostos europeus são altos demais, e os benefícios sociais, demasiadamente generosos. Os grandes Estados de bem-estar social não são a causa da atual crise europeia. De fato, eles na verdade representam um fator atenuante.
O perigo claro que a Europa enfrenta agora vem de direção diferente: o fracasso do continente em desenvolver resposta efetiva à crise financeira. A Europa apresenta deficiências em termos tanto de política fiscal quanto de política monetária. Enfrenta freada tão séria quanto a dos EUA, mas faz menos para combatê-la.
Do lado fiscal, a comparação com os EUA é notável. Muitos economistas, entre os quais me incluo, argumentaram que o plano de estímulo do governo Obama é insuficiente, dada a seriedade da crise. Mas ainda assim as ações norte-americanas apequenam quaisquer medidas tomadas pelos europeus.
A diferença na política monetária é igualmente notável. O BCE (Banco Central Europeu) vem sendo muito menos ativo que o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA); demorou a cortar os juros e vem evitando outras medidas fortes para descongelar os mercados de crédito.
A única coisa que funciona em favor da Europa é aquilo que lhe vale as maiores críticas: a dimensão e a generosidade de seus sistemas de seguro social, que vêm amortecendo o impacto da crise econômica. Mas "estabilizadores automáticos" como esses não substituem ação positiva. Por que a Europa está vacilando? A integração econômica e monetária está bem adiantada na integração das instituições políticas. Mas, ao contrário dos EUA, a Europa não dispõe das instituições continentais necessárias a enfrentar uma crise continental.

Coleção de governos
Essa é uma importante razão para a falta de ação fiscal: não há governo em condições de assumir a responsabilidade pela economia da Europa como um todo. O que ela tem é uma coleção de governos nacionais, cada qual relutante em acumular dívidas a fim de financiar um pacote que beneficiará os contribuintes de outros países.
Seria de esperar que as ações de política monetária fossem mais vigorosas. Afinal, embora não haja um governo europeu, existe o BCE. Mas ele não é parecido com o Fed, que pode assumir riscos ousados por contar com o apoio de um governo nacional unificado.
A mais séria questão é o que acontecerá às economias que floresceram no ambiente de dinheiro fácil que vinha prevalecendo, como a Espanha.
Por boa parte dos dez anos passados, a Espanha foi como a Flórida da Europa, com uma economia estimulada por imenso boom especulativo de construção residencial. Como na Flórida, a expansão agora se tornou contração, e a Espanha precisa encontrar novas fontes de renda e de emprego para substituir os postos perdidos no setor de construção.
No passado, a Espanha teria tentado melhorar sua competitividade ao desvalorizar sua moeda. Mas ela agora usa o euro -e seu único caminho de escape parece ser um doloroso processo de corte de salários. Isso tudo quer dizer que a Europa estava errada por permitir uma integração tão estreita? Que a criação do euro foi um erro? Pode ser. Mas a Europa ainda pode provar que os céticos estão enganados, caso seus políticos comecem a demonstrar mais liderança. Serão capazes disso?

PAUL KRUGMAN , economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Imposto de renda - Serviço Folha - IOB: Contribuinte pode consultar situação fiscal pela internet
Próximo Texto: Bolsa perde fôlego e fecha o pregão com queda de 1%
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.