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São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Erros novos, por favor!

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A cada semana que passa, aumenta, leitor, o meu desalento com a orientação econômica do governo Lula. É uma lástima. Como a maioria dos brasileiros, torço para que a nova gestão tenha êxito.
Praticamente não conhecia Antonio Palocci Filho, mas formara dele uma impressão favorável. Parecia, e parece ainda, uma pessoa criteriosa e de bom senso, pouco inclinada aos deslumbramentos do poder.
A sua missão é inegavelmente das mais difíceis. Um dos motivos dessa dificuldade é o fato de que os principais economistas do seu partido pouco fizeram ao longo de todos esses anos de oposição para desenvolver uma reflexão programática consistente. Dedicaram-se, em geral, a deblaterar demagogicamente contra o "neoliberalismo".
Mas, convenhamos, isso não era motivo para que o ministro Palocci se atirasse nos braços da ortodoxia econômica, essencialmente a mesma que prevaleceu nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso.
"Brasileiro não pode viajar", dizia Nelson Rodrigues. Em sua recente viagem a Washington e Nova York, o ministro da Fazenda fez todos os rapapés à sabedoria financeira convencional. A julgar pelo noticiário, foi recebido com certo entusiasmo. Volta ao país reforçado em suas convicções.
Ao final de uma das suas palestras nos EUA, Palocci chegou a ser aplaudido de pé. O que nós, brasileiros, estamos querendo perguntar é o seguinte: "O que fizeste de errado, ó Palocci?".
Elogios em Washington e Nova York -a nossa experiência o mostra abundantemente- nunca foram prenúncio de bons resultados para os brasileiros. Durante o governo FHC, por exemplo, a política econômica do Brasil era muito apreciada no exterior. Os resultados foram medíocres (para dizer o mínimo).
Na semana passada, o Ministério da Fazenda divulgou extenso (quase cem páginas) e enfadonho documento sobre a sua estratégia. O documento oscila quase sempre entre a trivialidade e o erro. Se for para levá-lo ao pé da letra, somos obrigados a concluir que a suposta "transição" para um novo modelo econômico, prometida na campanha e depois das eleições, foi definitivamente sepultada.
O que a assessoria do Ministério da Fazenda quer nos impingir é a continuação e, sob certos aspectos, a radicalização da agenda econômica do governo FHC. Sim, leitor, aquela mesma agenda que foi fragorosamente derrotada nas urnas em 2002. O documento da Fazenda tem uma única vantagem: dele se pode dizer o que Churchill disse de um longo memorando recebido de algum setor do governo: "This paper by its very length defends itself against the risk of being read" ("Esse texto pelo seu próprio tamanho se defende do risco de ser lido").
Muito mais preocupante do que qualquer documento é a incorporação da agenda derrotada às declarações e ações do novo governo. Um exemplo apenas: a questão do câmbio.
O ministro Palocci declarou, em Nova York, que só quer cometer erros novos. Não deseja, por exemplo, incorrer no erro antigo de fixar a taxa de câmbio. É assim que ele responde ao temor de que a revalorização possa ir longe demais. O ministro da Fazenda vem afirmando que não está preocupado nem com o nível nem com a volatilidade da taxa de câmbio.
Pelo amor de Deus! Não há ninguém em Brasília para explicar a esses cristãos novos da ortodoxia que não se deve confundir câmbio flutuante com câmbio livre? Um país como o Brasil não pode nem pensar em praticar flutuação pura, de livro-texto.
Existe, sim, o risco de que a apreciação vá longe demais, prejudicando os setores que exportam e aqueles que substituem importações. E as acentuadas flutuações do valor externo da moeda dificultam o planejamento dos investimentos nessas áreas.
Ora, a exportação e a substituição de importações são fundamentais para tirar o país do atoleiro da vulnerabilidade externa. O governo precisa, portanto, usar os instrumentos de que dispõe -e não são poucos- para moderar a volatilidade cambial e evitar uma revalorização exagerada do real.
O pior é que os erros que o ministro Palocci ameaça cometer não são novos. Poucos lembram que o chamado "pecado original" do Plano Real, a valorização exagerada do câmbio, foi cometido, em grande parte, sob um regime de flutuação cambial, no segundo semestre de 1994. O governo brasileiro voltou a cometer o mesmo equívoco em 2000 e, outra vez, em fins de 2001 e início de 2002.
Em todos esses momentos, o padrão foi basicamente o mesmo: ondas de otimismo nos mercados financeiros levaram a uma valorização excessiva da moeda brasileira, produzindo déficits nas contas externas e retardando o ajustamento da economia.
O último desses episódios é tão recente que parece incrível que possa ter sido esquecido. Há pouco mais de um ano, o quadro era o seguinte: o Brasil havia se "descolado" da Argentina, os capitais externos voltavam e o Banco Central estava permitindo apreciação perigosa do câmbio. O ministro Malan chegou a antecipar o pagamento de uma volumosa quantia ao FMI, sob o argumento de que a situação brasileira era tranquila.
Em questão de poucos meses, o sentimento do mercado mudou de maneira dramática. Instalou-se o pânico e o Brasil passou a ser considerado um país em estado pré-falimentar!
Se o novo governo se deixar seduzir e conduzir pelas avaliações voláteis de Washington e Wall Street, afundará na mesma mediocridade que marcou o seu antecessor.
Erros novos, por favor!


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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