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OPINIÃO ECONÔMICA
Erros novos, por favor!
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A cada semana que passa,
aumenta, leitor, o meu desalento com a orientação econômica do governo Lula. É uma lástima. Como a maioria dos brasileiros, torço para que a nova gestão
tenha êxito.
Praticamente não conhecia Antonio Palocci Filho, mas formara
dele uma impressão favorável.
Parecia, e parece ainda, uma pessoa criteriosa e de bom senso,
pouco inclinada aos deslumbramentos do poder.
A sua missão é inegavelmente
das mais difíceis. Um dos motivos
dessa dificuldade é o fato de que
os principais economistas do seu
partido pouco fizeram ao longo
de todos esses anos de oposição
para desenvolver uma reflexão
programática consistente. Dedicaram-se, em geral, a deblaterar
demagogicamente contra o "neoliberalismo".
Mas, convenhamos, isso não era
motivo para que o ministro Palocci se atirasse nos braços da ortodoxia econômica, essencialmente a mesma que prevaleceu
nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso.
"Brasileiro não pode viajar", dizia Nelson Rodrigues. Em sua recente viagem a Washington e Nova York, o ministro da Fazenda
fez todos os rapapés à sabedoria
financeira convencional. A julgar
pelo noticiário, foi recebido com
certo entusiasmo. Volta ao país
reforçado em suas convicções.
Ao final de uma das suas palestras nos EUA, Palocci chegou a ser
aplaudido de pé. O que nós, brasileiros, estamos querendo perguntar é o seguinte: "O que fizeste de
errado, ó Palocci?".
Elogios em Washington e Nova
York -a nossa experiência o
mostra abundantemente- nunca foram prenúncio de bons resultados para os brasileiros. Durante
o governo FHC, por exemplo, a
política econômica do Brasil era
muito apreciada no exterior. Os
resultados foram medíocres (para
dizer o mínimo).
Na semana passada, o Ministério da Fazenda divulgou extenso
(quase cem páginas) e enfadonho
documento sobre a sua estratégia.
O documento oscila quase sempre
entre a trivialidade e o erro. Se for
para levá-lo ao pé da letra, somos
obrigados a concluir que a suposta "transição" para um novo modelo econômico, prometida na
campanha e depois das eleições,
foi definitivamente sepultada.
O que a assessoria do Ministério
da Fazenda quer nos impingir é a
continuação e, sob certos aspectos, a radicalização da agenda
econômica do governo FHC. Sim,
leitor, aquela mesma agenda que
foi fragorosamente derrotada nas
urnas em 2002. O documento da
Fazenda tem uma única vantagem: dele se pode dizer o que
Churchill disse de um longo memorando recebido de algum setor
do governo: "This paper by its
very length defends itself against
the risk of being read" ("Esse texto
pelo seu próprio tamanho se defende do risco de ser lido").
Muito mais preocupante do que
qualquer documento é a incorporação da agenda derrotada às declarações e ações do novo governo. Um exemplo apenas: a questão do câmbio.
O ministro Palocci declarou, em
Nova York, que só quer cometer
erros novos. Não deseja, por
exemplo, incorrer no erro antigo
de fixar a taxa de câmbio. É assim
que ele responde ao temor de que
a revalorização possa ir longe demais. O ministro da Fazenda vem
afirmando que não está preocupado nem com o nível nem com a
volatilidade da taxa de câmbio.
Pelo amor de Deus! Não há ninguém em Brasília para explicar a
esses cristãos novos da ortodoxia
que não se deve confundir câmbio
flutuante com câmbio livre? Um
país como o Brasil não pode nem
pensar em praticar flutuação pura, de livro-texto.
Existe, sim, o risco de que a
apreciação vá longe demais, prejudicando os setores que exportam e aqueles que substituem importações. E as acentuadas flutuações do valor externo da moeda dificultam o planejamento dos
investimentos nessas áreas.
Ora, a exportação e a substituição de importações são fundamentais para tirar o país do atoleiro da vulnerabilidade externa.
O governo precisa, portanto, usar
os instrumentos de que dispõe
-e não são poucos- para moderar a volatilidade cambial e
evitar uma revalorização exagerada do real.
O pior é que os erros que o ministro Palocci ameaça cometer
não são novos. Poucos lembram
que o chamado "pecado original"
do Plano Real, a valorização exagerada do câmbio, foi cometido,
em grande parte, sob um regime
de flutuação cambial, no segundo
semestre de 1994. O governo brasileiro voltou a cometer o mesmo
equívoco em 2000 e, outra vez, em
fins de 2001 e início de 2002.
Em todos esses momentos, o padrão foi basicamente o mesmo:
ondas de otimismo nos mercados
financeiros levaram a uma valorização excessiva da moeda brasileira, produzindo déficits nas
contas externas e retardando o
ajustamento da economia.
O último desses episódios é tão
recente que parece incrível que
possa ter sido esquecido. Há pouco mais de um ano, o quadro era
o seguinte: o Brasil havia se "descolado" da Argentina, os capitais
externos voltavam e o Banco Central estava permitindo apreciação
perigosa do câmbio. O ministro
Malan chegou a antecipar o pagamento de uma volumosa quantia ao FMI, sob o argumento de
que a situação brasileira era tranquila.
Em questão de poucos meses, o
sentimento do mercado mudou
de maneira dramática. Instalou-se o pânico e o Brasil passou a ser
considerado um país em estado
pré-falimentar!
Se o novo governo se deixar seduzir e conduzir pelas avaliações
voláteis de Washington e Wall
Street, afundará na mesma mediocridade que marcou o seu antecessor.
Erros novos, por favor!
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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