São Paulo, terça-feira, 17 de abril de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

O alcoolismo de Chávez e Fidel


Teoria dos guias geniais dos povos fala do risco de fome com a difusão da cana, mas o problema é muito outro

É UM SINTOMA de fracassomania e de pavor do mercado a repercussão que têm merecido a teoria do alcoolismo de Hugo Chávez e de Fidel Castro. Segundo esses guias geniais dos povos e adeptos marginais de malthusianismos, a difusão da indústria do álcool combustível vai provocar fome.
O aspecto intuitivo da teoria do alcoolismo explica em parte sua popularidade. Argumentos por absurdo reforçam seu apelo: no limite, se a cana expulsa todas as lavouras de alimentos, há fome. Antes disso, a progressão dos canaviais reduziria a oferta de comida, que ficaria mais cara e inacessível aos mais pobres.
Por fim o argumento impressiona, de modo mais sofisticado, pelo aspecto ambiental: o planeta tem limites físicos, a expansão desordenada da cana afetaria a biodiversidade etc. Antes de passar ao que importa observe-se apenas que a teoria do alcoolismo ignora o ganho de renda de países pobres que plantariam cana (e poderiam comprar comida, que ainda sobra no mundo), ignora ganhos de produtividade das lavouras e estímulos de preço (se a comida fica cara, planta-se mais comida) etc.
Mas o problema principal, por ora, talvez seja a falta de mercado organizado e estável para o álcool, o que pode provocar bolhas especulativas, e uma avaliação mais precisa da concorrência (seja de outros países produtores, seja de outras tecnologias de produção de energia).
Falta muito para que o álcool se transforme em "commodity", mercadoria padronizada, negociada em grandes volumes e que tenha à disposição mercados com instrumentos financeiros e recursos bastantes para reduzir os riscos de flutuações exageradas de preços.
Um mercado de "álcool commodity" demanda dezenas de países consumidores e um número razoável de fontes produtoras. Além de dúvidas sobre a tecnologia e o lobby de empresas de combustíveis concorrentes, há empecilhos políticos fortes à queda de barreiras tarifárias e outras do mercado de produtos agrícolas, álcool inclusive.
Um outro problema é de política industrial. O país hoje lidera em termos de produtividade e de criação de tecnologias industriais para a transformação da cana em álcool e energia elétrica. Mas, se o mercado mundial de álcool der certo, o mundo vai ficar parado?
Hoje, os equipamentos brasileiros para o setor são de ponta. Se a demanda mundial aumentar, ninguém vai desenvolver tecnologias concorrentes? Mais: a cana pode ser a base de uma indústria bioquímica autóctone, o que o país jamais teve. Vamos deixar essa peteca cair?
Por ora, a grande novidade do boom do álcool é a chegada de capitais de risco aos negócios do setor e a especulação crescente com o preço da terra e de usinas prontas (duplicaram de preço em ano e meio). E a pesquisa? O país tem núcleos excelentes de ciência e tecnologia da agroindústria, em especial no álcool: genética, química, engenharia. Mas uma penada americana pode despejar recursos enormes na pesquisa e fazer o país descer do pódio científico do setor sucroalcooleiro. E não são apenas os americanos. Partindo quase do zero, em menos de uma década, a China passou a colocar suas máquinas no mercado brasileiro.
Vamos esperar a história se repetir?

vinit@uol.com.br


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