São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2001

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Crise energética na Califórnia é exemplo e alerta para o Brasil

CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL

A crise energética que provoca blecautes na Califórnia, a região mais rica dos Estados Unidos, é um alerta para o Brasil. Na Califórnia, o modelo de liberalização do setor de energia aprovado em 1996 -ao qual o brasileiro muito se assemelha- está fracassando.
Na última década, a demanda no Estado aumentou 50% e a capacidade de fornecimento manteve-se estacionada. As empresas distribuidoras estão sufocadas pelas leis que fixam limites para as suas tarifas, liberando a dos produtores. A PG&E, que, junto com a Southern California Edison, domina a distribuição de energia na região, decretou a sua falência em abril, para desespero do governador Gray Davis e desconfiança do mercado: antes de anunciar a falência, a empresa teria distribuído US$ 50 milhões entre seus diretores, sob a forma de bônus.
Movido pelo susto, o governador da Califórnia, logo em seguida, fez um acordo com a Edison para evitar seu colapso. Segundo o acordo, o Estado da Califórnia comprará a rede de transmissão da empresa por US$ 2,7 bilhões e a companhia utilizará esse dinheiro para saldar parte de sua dívida de US$ 5 bilhões.
O que leva à comparação entre a política energética brasileira e a da Califórnia (que consome mais energia que o Brasil) é a filosofia da desregulamentação e ausência de uma política energética.
Lá não houve privatização porque 99% das empresas do setor sempre foram privadas. O pouco que resta nas mãos do governo os americanos não vendem (o Exército, por exemplo, gera energia).
O que aproxima os apagões de lá com os de cá são os princípios. O Brasil desregulamentou o setor, assim como a Califórnia, reduzindo o papel público e separando as atividades de geração, produção e distribuição. Ou seja, houve um estímulo à desverticalização, em favor do estímulo ao mercado.
A lição da crise vale nos dois casos: o setor energético, na Califórnia ou no Brasil, não pode correr completamente solto nas mãos da iniciativa privada. "Pode ser mais ou menos mercado, mas sempre exige a atenção do setor estatal", diz o físico Luiz Pinguelli Rosa, vice-diretor da Coordenação dos Programas de Pós Graduação em Energia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A crise na Califórnia levou Estados americanos a reavaliar seus planos de desregulamentação no setor. Nevada, por exemplo, que iniciaria seu processo no ano 2000, adiou-o indefinidamente.
O processo na Califórnia, dizem os técnicos, é cheio de falhas. A maior delas: foi feito em condições de falta de capacidade de fornecimento. "Há 20 anos que não se permite a instalação de novas refinarias de petróleo e há 10 anos não se instalam novas usinas porque há uma resistência muito grande dos ambientalistas", diz o brigadeiro Aldo Rosa, brasileiro que mora em Palo Alto, é professor de engenharia eletrônica na Universidade de Stanford e atua na área de projetos energéticos alternativos. "Ninguém quer permitir a construção de uma usina em seu município", ele diz.
Mas ninguém quer ficar sem energia. Daí o impasse e um dos problemas imediatos que o governo americano terá que enfrentar. Não se trata de defender a volta da regulamentação, mas de desenvolver fontes alternativas de energia em combinação com as fontes tradicionais. Essa fase de transição, diz o professor Aldo Rosa, é lenta. "Leva 20, 30 anos."
O gás natural seria uma alternativa. "Falta nos Estados Unidos, mas é jogado fora no Alasca; o problema é que também enfrentaria resistência porque um gasoduto é antiecológico", diz o professor. A energia nuclear, que ele, Aldo Rosa, também teme, tem vantagens e desvantagens, mas enfrenta a fúria dos defensores do ambiente, que em países desenvolvidos têm força.
Grandes empresários do setor de novas tecnologias já começam a espernear. Avisam que não poderão suportar a situação por muito tempo e insinuam que suas indústrias, cujo maior patrimônio é o talento, podem ser transferidas para outros lugares.
O problema é que não há solução a curto prazo. Uma central de produção de energia não é uma fábrica de automóveis. Nem na Califórnia nem no Brasil. Mas a Califórnia tem pressa. O Estado sofreu blecautes em janeiro e março e eles devem se repetir durante todo o verão.



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