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LUÍS NASSIF
O caso Trópico
Se políticas industriais
são montadas em cima de
casos concretos, o governo Lula
tem o primeiro episódio relevante para começar a esboçar a
sua.
Trata-se do projeto Trópico, a
central telefônica digital cujo
desenvolvimento começou na
antiga Telebrás, em fins dos
anos 70 -aliás, tenho o orgulho
de ter sido o primeiro a escrever
sobre o tema, na revista "Veja".
Das pesquisas iniciais resultou
o desenvolvimento do sistema
em três empresas nacionais, a
Batik, a Zetax e a Trópico. As
duas primeiras foram adquiridas por concorrentes estrangeiros -que estão conseguindo
bons resultados com o produto
no mercado internacional. Restou a Trópico, que tem capital
da Promon, do CPQD e, mais
recentemente, da Cisco norte-americana.
Recentemente, a Trópico se
candidatou a uma licitação na
Telefônica, para fornecedores
para redes de novas gerações, no
âmbito da América Latina. É de
valor pequeno, mas de enorme
significado político. Será a primeira rede de nova geração da
Telefónica no mundo.
O Trópico atendeu a todas as
medidas de performance e preço. No entanto foi necessária
enorme pressão política para
sensibilizar a Telefônica. E isso
por duas razões -e aí entram
os elementos para uma política
industrial.
A primeira é que ninguém irá
investir em tecnologias sem garantia de manutenção do ritmo
de investimento. A Promon investiu R$ 60 milhões até o ano
passado, mas não tem fôlego para prosseguir. Para resolver o dilema, a Trópico fez uma proposta pragmática. Entregaria a tecnologia e a equipe de apoio ao
CPQD -que, depois da privatização, virou fundação de direito
privado. Em troca, teria a garantia da Finep (Financiadora
de Estudos e Projetos) de investimento do Funtel (fundo de telecomunicações) da ordem de
R$ 70 milhões em três anos. E a
exclusividade para utilizar a
tecnologia por dois anos, pagando os royalties adequados. O caso está em análise desde o ano
passado.
A segunda razão é que, apesar
de ser o coração de uma operação telefônica, a central custa
pouco. Por isso mesmo, muitas
multinacionais praticam o
dumping, chegam a entregar a
central quase de graça, ou com
150% de financiamento, para
lucrar na venda de outros componentes.
A lição é que não basta apenas
preço e qualidade, mas é necessária a criação de um ambiente
institucional que claramente
impeça o desequilíbrio da competição. Nenhuma tecnologia
surgiu no mundo sem dispor do
domínio absoluto dos mercados
domésticos. Foi assim com a
Ericsson, na Suécia, com a Samsung, na Coréia do Sul. e com a
NEC, no Japão. Hoje em dia a
única empresa a tirar o sono da
Cisco é a chinesa Huawey, que
há 15 anos estava anos-luz atrás
da tecnologia do Trópico e hoje
fabrica 20 milhões de terminais
por ano, contra 8 milhões de toda a história do Trópico.
Uma maneira de induzir ao
uso da tecnologia nacional seria
incluí-la como pré-requisito para a renovação de concessões
-exigindo, obviamente, níveis
internacionais de qualidade.
De qualquer forma, há aí um
estudo de caso que poderá ser
relevante para moldar a nova
política industrial para o país.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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