UOL


São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

O caso Trópico

Se políticas industriais são montadas em cima de casos concretos, o governo Lula tem o primeiro episódio relevante para começar a esboçar a sua.
Trata-se do projeto Trópico, a central telefônica digital cujo desenvolvimento começou na antiga Telebrás, em fins dos anos 70 -aliás, tenho o orgulho de ter sido o primeiro a escrever sobre o tema, na revista "Veja".
Das pesquisas iniciais resultou o desenvolvimento do sistema em três empresas nacionais, a Batik, a Zetax e a Trópico. As duas primeiras foram adquiridas por concorrentes estrangeiros -que estão conseguindo bons resultados com o produto no mercado internacional. Restou a Trópico, que tem capital da Promon, do CPQD e, mais recentemente, da Cisco norte-americana.
Recentemente, a Trópico se candidatou a uma licitação na Telefônica, para fornecedores para redes de novas gerações, no âmbito da América Latina. É de valor pequeno, mas de enorme significado político. Será a primeira rede de nova geração da Telefónica no mundo.
O Trópico atendeu a todas as medidas de performance e preço. No entanto foi necessária enorme pressão política para sensibilizar a Telefônica. E isso por duas razões -e aí entram os elementos para uma política industrial.
A primeira é que ninguém irá investir em tecnologias sem garantia de manutenção do ritmo de investimento. A Promon investiu R$ 60 milhões até o ano passado, mas não tem fôlego para prosseguir. Para resolver o dilema, a Trópico fez uma proposta pragmática. Entregaria a tecnologia e a equipe de apoio ao CPQD -que, depois da privatização, virou fundação de direito privado. Em troca, teria a garantia da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) de investimento do Funtel (fundo de telecomunicações) da ordem de R$ 70 milhões em três anos. E a exclusividade para utilizar a tecnologia por dois anos, pagando os royalties adequados. O caso está em análise desde o ano passado.
A segunda razão é que, apesar de ser o coração de uma operação telefônica, a central custa pouco. Por isso mesmo, muitas multinacionais praticam o dumping, chegam a entregar a central quase de graça, ou com 150% de financiamento, para lucrar na venda de outros componentes.
A lição é que não basta apenas preço e qualidade, mas é necessária a criação de um ambiente institucional que claramente impeça o desequilíbrio da competição. Nenhuma tecnologia surgiu no mundo sem dispor do domínio absoluto dos mercados domésticos. Foi assim com a Ericsson, na Suécia, com a Samsung, na Coréia do Sul. e com a NEC, no Japão. Hoje em dia a única empresa a tirar o sono da Cisco é a chinesa Huawey, que há 15 anos estava anos-luz atrás da tecnologia do Trópico e hoje fabrica 20 milhões de terminais por ano, contra 8 milhões de toda a história do Trópico.
Uma maneira de induzir ao uso da tecnologia nacional seria incluí-la como pré-requisito para a renovação de concessões -exigindo, obviamente, níveis internacionais de qualidade.
De qualquer forma, há aí um estudo de caso que poderá ser relevante para moldar a nova política industrial para o país.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Trabalho: Centrais criam frente para defender a CLT
Próximo Texto: Comércio exterior: BNDES restringe empréstimo para exportação em 2003
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.