São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Vamos acordar!


Chegou a hora de pôr fim ao pesadelo recorrente da CPMF e apagar esse tributo de nossas memórias

AO LER os jornais no Brasil, às vezes temos a sensação de estarmos passando por aqueles pesadelos recorrentes, quando a gente tenta se livrar de um perigo que sempre reaparece.
A volta da CPMF, travestida de CSS (Contribuição Social para a Saúde), parece um desses pesadelos. Com grande esforço político, o país se livrou, no fim do ano passado, de um tributo iníquo, que taxava em 0,38% todas as operações financeiras e tinha forte impacto na cadeia produtiva. Parecia que o pesadelo havia passado, mas ele voltou. A Câmara aprovou a criação da CSS de 0,10%, com o objetivo de arrecadar R$ 10 bilhões anuais para os gastos no setor da saúde.
Esse tributo não se justifica, em primeiro lugar, porque a arrecadação da União cresce muito acima das previsões. No Orçamento de 2008, estimava-se receita total de R$ 683 bilhões, incluindo R$ 40 bilhões da CPMF. Mesmo sem a CPMF, estima-se agora que a receita atingirá R$ 705 bilhões. Ou seja, existe dinheiro suficiente para atender à saúde, desde que haja boa gestão dos recursos.
A CSS também não se justifica porque já sabemos, por experiência do passado, que esse tributo exclusivo da saúde acabará sendo desviado para outros gastos no caixa único do governo. Não se justifica ainda porque é claramente inconstitucional, na opinião quase unânime dos juristas. Para não afrontar a Constituição, a nova contribuição deveria ser aprovada por emenda constitucional, e não por lei complementar.
Não se justifica porque a sociedade está farta de impostos e essa não é uma frase de efeito. Um estudo da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) mostra que cada brasileiro paga atualmente, em média, R$ 4.925 por ano em tributos. Em 1995, pagava R$ 2.625. Houve, portanto, aumento real, descontada a inflação, de 88% em 13 anos.
Não se justifica, enfim, porque é ilógico implantar uma nova contribuição no momento em que se discute a reforma tributária ampla para simplificar a tributação e aliviar a carga fiscal. No atual quadro econômico, a criação de tributos anda na contramão.
Apesar dos vários índices positivos da economia brasileira, o país enfrenta inflação em alta, elevação de juros e déficit nas contas externas. Acrescentar aumento de tributos a esse coquetel explosivo é, no mínimo, imprudência, diante dos efeitos negativos que a elevação da carga tributária pode ter para o crescimento da atividade econômica.
O momento é de redução de gastos dos governos -gastos correntes, não investimentos. Atenção para a palavra "governos", no plural, porque Estados e municípios vêm elevando seus dispêndios mais do que a União. De janeiro a abril, as despesas não-financeiras de Estados e municípios cresceram 14,5% acima da inflação, enquanto as da União subiram 4,5%, também em termos reais.
Diante desses fatos, o projeto da CSS, política e economicamente inaceitável, chega a ser uma provocação. Foi aprovado na Câmara por apenas dois votos acima do número mínimo necessário de 257. No Senado, segundo as previsões, a matéria terá enorme dificuldade de aprovação e poderá levar a um desnecessário desgaste político. Se vier a passar pelo Senado, ainda abrirá uma batalha jurídica no STF (Supremo Tribunal Federal) em razão de sua evidente inconstitucionalidade.
É muito barulho por quase nada.
Chegou a hora de pôr fim ao pesadelo recorrente da CPMF e apagar esse tributo definitivamente de nossas memórias. Vamos acordar!


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.
bvictoria@psi.com.br


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