São Paulo, sábado, 17 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Crescimento sem desenvolvimento

GESNER OLIVEIRA

Não resta dúvida de que a economia está em crescimento e a um ritmo maior do que muita gente esperava. Infelizmente esse crescimento não é sustentado. E o país está distante da rota de desenvolvimento.
Os números desta semana permitem ilustrar esses três conceitos: crescimento, crescimento sustentado e desenvolvimento. Os dados de produção industrial, vendas do comércio e emprego indicam com clareza que o país está em crescimento. Isto é, a produção de bens e serviços registrada pelas contas nacionais está em expansão. O PIB oficial deverá crescer algo em torno de 4% em 2004. Sabe-se naturalmente que uma parcela grande da produção (algo em torno a 40%) ocorre na informalidade e não é diretamente capturada pelas estatísticas oficiais.
Para que esse crescimento possa ser qualificado como sustentado, seria necessário supor sua manutenção no médio prazo, para um período de, por exemplo, cinco anos. No entanto isso exigiria afastar gargalos evidentes de infra-estrutura e mesmo de capacidade produtiva em geral que a economia apresentará caso mantenha o atual ritmo de aumento da produção nos próximos 18 meses. Isso requereria um aumento da taxa de investimento produtivo que não está sendo verificado.
Por sua vez, o aumento da inversão produtiva exigiria juros mais baixos e maior segurança jurídica e estabilidade de regras, que tampouco estão sendo obtidos. Por isso, o Brasil crescerá em 2004, mas não de forma sustentada. A média de 2003/04 deverá estar próxima a 2%, patamar que caracterizou o fraco ritmo de expansão do Brasil nas duas últimas décadas.
O problema é ainda mais sério quando se dá conta de que o crescimento é uma condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento. Isto é, um país pode crescer rapidamente, mas não atingir padrões razoáveis de qualidade de vida para a maioria de sua população. Vários autores clássicos da teoria do desenvolvimento chamaram a atenção para o fato de que o desenvolvimento é um processo de transformação qualitativa da sociedade, em contraste com o mero aumento do estoque de capital e de produção capturado pela noção de crescimento.
O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), divulgado nesta semana pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), procura, ainda que precariamente, oferecer uma medida de desenvolvimento. Nos termos ambiciosos do Pnud, o indicador busca "sintetizar as diversas e complexas dimensões do processo de desenvolvimento humano". Trata-se, na prática, de um composto de variáveis de longevidade, taxa de alfabetização e escolarização e PIB por habitante.
O indicador é construído de forma a variar no intervalo de zero a um. O desenvolvimento humano medido dessa forma é tanto melhor quanto mais próximo de um. Considera-se arbitrariamente que um IDH superior a 0,8 caracterizaria um desenvolvimento humano elevado. A Noruega lidera esse campeonato, com um IDH de 0,956, segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano 2004, com dados de 2002. Países com IDH inferior a 0,5 são eufemisticamente classificados como de "desenvolvimento humano baixo". É o caso do "lanterna" Serra Leoa, com um IDH de 0,273. O Brasil está no grupo intermediário, de desenvolvimento humano médio (IDH entre 0,5 e 0,8), com um IDH de 0,775, na 72ª posição na classificação geral.
Países como China e Índia, que têm apresentado ritmo invejável de crescimento nos últimos anos, estão bem abaixo do Brasil em termos de IDH. A China está na 94ª posição, com um IDH de 0,745, e a Índia, na 127ª, com um IDH de 0,595. O Brasil, por sua vez, fica muito abaixo de vários países latino-americanos, como Argentina (34ª), Chile (43ª) e México (53ª).
Por mais arbitrários e discutíveis que tais indicadores possam ser para captar um fenômeno tão complexo quanto o desenvolvimento, a discussão que ensejam acaba sendo útil. No caso brasileiro, em particular, serve de alerta do longo caminho a ser percorrido para atingir níveis razoáveis de qualidade de vida; e, mais importante, que nem mesmo as condições mínimas para uma trajetória de sucesso estão preenchidas na atualidade.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


Texto Anterior: Para empresários, decisão deverá aumentar a informalidade no país
Próximo Texto: Aftosa: Acordo reduz verba, diz ministério
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.