São Paulo, quarta-feira, 17 de agosto de 2005

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ANÁLISE

Não faltará argumento ao BC

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais do que dos aspectos técnicos, a decisão de manter ou reduzir a taxa de juros depende, hoje, do maior ou do menor conservadorismo do Banco Central.
Explique-se que, para o mercado financeiro e para os próprios formuladores da política monetária, classificar o BC como conservador é elogio, já que é exatamente isso que se espera da autoridade monetária: que seja o mais cautelosa possível quando o assunto é combate à inflação.
Do ponto de vista estritamente técnico, há vários bons argumentos em favor da redução da taxa de juros. Mas há também alguns argumentos para mantê-la.
Em favor da queda da taxa, ainda que apenas em 0,25 ponto percentual, pesam as boas perspectivas para a inflação e o relativo desaquecimento dos indicadores de atividade, que, se não mostram retração, indicam uma clara acomodação em velocidade benigna para o quadro inflacionário.
O IPCA, índice-base para o sistema de metas de inflação, ficou em 0,25% em julho, depois de registrar pequena deflação no mês anterior. Mais importante, os preços livres, nos dois meses, ficaram estáveis. O aumento de julho foi todo explicado pelos preços administrados, sob os quais o aperto monetário não tem influência.
Dada a redução nos dois meses passados, analistas de bancos e consultorias passaram a rever suas projeções. Hoje, espera-se que a inflação medida pelo IPCA fique em 5,4% no final do ano, algo muito próximo dos 5,1% definidos como meta pelo governo. Ou seja, algo tido como muito improvável a menos de dois meses hoje já é considerado factível: o governo cumprir a meta de inflação, sem sequer usar a margem de erro com a qual ele pode contar.
Os indicadores de atividade foram bons nos últimos dois meses. A economia, no segundo trimestre, provavelmente registrou taxa de crescimento bem superior ao minguado 0,3% estimado para os primeiros três meses do ano. Por enquanto, no entanto, ninguém espera que a atividade se acelere, no segundo semestre, a ponto de causar um aquecimento perigoso no nível de preços, ou, como chamam os economistas, uma "inflação de demanda".
Contra o início da queda dos juros pesam a alta do preço do petróleo e a instabilidade causada pela crise política.
Na última reunião do Copom, o preço do barril de petróleo, medido pela cesta da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) era de cerca de US$ 52. Hoje está em US$ 59. Alta que cedo ou tarde terá impactos nos preços internos, impactos tão mais graves quanto mais persistente e acentuada for a tendência de alta.
O risco Brasil e o câmbio continuam em níveis positivos para o cenário inflacionário. O câmbio, apesar das oscilações das últimas semanas, continua em níveis bem inferiores, por exemplo, aos de junho, só para citar um mês recente. O risco-país continua oscilando ao redor dos 400 pontos.
A crise política entra na equação do BC quando a turbulência afetar de forma mais forte os dois indicadores. Ou seja, se o câmbio se desvalorizar muito ou se o risco começar a disparar, algo que ainda não ocorreu.
De qualquer maneira, apenas a possibilidade de uma crise mais acentuada tanto no setor externo como no interno pode levar os membros do Copom a decidirem em favor do conservadorismo, ou seja, optar por manter a taxa de juros e esperar até setembro para ver se as nuvens se dissipam.
Os aspectos técnicos, a análise de indicadores e do modelo de previsão de inflação do BC são importantes para a decisão. Hoje eles provavelmente pendem mais em favor da redução dos juros. Mas "rodar" o modelo exige assumir uma série de hipóteses que dependem do julgamento de quem o usa. O julgamento é o dos membros do Copom, que podem, a despeito do cenário positivo, decidir manter os juros, dando a um ou dois aspectos negativos peso maior do que o atribuído à avalanche de indicadores que justificariam a redução dos juros.


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