São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O pré-sal pode não ser tão salgado


Ministros da comissão que estuda o destino do eventual tsunami petrolífero dizem que Lula não vai "radicalizar"


Lula desembestou a dizer que o petróleo é nosso. Faz contraponto solo e vago ao coro de ministros que davam a impressão de que já teria sido decretada a criação da Petrosal ou da PDBSA (paródia da PDVSA venezuelana), apelidos da hipotética nova estatal. Uns dizem que Lula está só animado porque, como grande animador de auditório, sabe que o discurso caiu bem nas pesquisas de opinião. Outros, que o petronacionalismo é um embrião de campanha para 2010.
Mas nem a atitude de Lula nem o destino do eventual tsunami petrolífero são assuntos triviais. O ouro preto tem suscitado ansiedades gananciosas em toda parte. Por que Lula estaria comprando essa briga, com forte sotaque nacionalista e aparentemente dando sustos no mercadismo? Está mesmo a fazê-lo? Dois dos cinco ministros que fazem parte da comissão criada para discutir o assunto dizem que não é bem assim. Um deles é petista e mais próximo de Lula; o outro, não. Os dois dizem que o presidente envia sinais submersos de que não vai "radicalizar" e que "nada está decidido". Nem mesmo a estatal.
Lula, segundo esses ministros, diz que não vai "romper contratos". Que não vai afastar empresas estrangeiras. Que "não vai permitir monopólio" no pré-sal (?). Mas vai aumentar a taxação nesses campos, mesmo os já leiloados. Diz que os contratos de exploração podem ser de vários modelos (concessão, partilha, serviços etc, talvez tudo ao mesmo tempo, o que é estranho, mas vá lá). Mas que está decidido, ponto, a submeter ao Estado o controle do ritmo e da forma de exploração e exportação do petróleo que venha a ser descoberto. Que veio de Lula a idéia do fundo soberano, justamente para aninhar o tesouro petrolífero.
O grosso do petróleo dos supostos megacampos, porém, não jorra antes do meio do próximo governo. Decerto os políticos acham que eles ou suas dinastias serão duradouros. Além do mais, uma mudança geral na lei do petróleo, se vingar, não é coisa fácil de desfazer, caso o lulismo perca a eleição. Ainda assim, é difícil entender o "plano estratégico".
Tudo nessa história é uma enorme incógnita. O governo, porém, estima receitas do novo petróleo já para 2010. Mas se ignora o custo de exploração. De onde virá o investimento. Como vai estar o mercado externo e interno. Exemplo: o consumo per capita de petróleo no Brasil é baixo. Cerca de um terço do consumo da fria Europa ocidental; um sétimo do exorbitante consumo americano. Mas o México consome 70% mais; o Chile, 30%. Se o padrão de vida crescer, sobra menos petróleo exportável, para o "Brasil Opep".
Mas Lula não compra mesmo briga. Não gosta de briga nem de graça. É sentimental, homem de coração, cordial, adepto da "realpolitik" brasileirinha. Lula conciliou na política monetária. Gasta muito, mas não estoura as contas públicas. Comprou as centrais sindicais. Apóia a "internacionalização" da grande empresa nacional. Patrocina a reorganização do grande capital por meio do apoio a fusões e aquisições. Pacificou a massa miserável com benefícios sociais. Cativou o agronegócio. Etc. Em quase tudo enfiou uma cunha neoestatal ou o social-negocismo do PT. Mas com jeitinho. A coisa seria mais salgada no caso do petróleo?

vinit@uol.com.br

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