São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

A corrida dos cavalos sociais


Ritmo Lula de redução da desigualdade cai abaixo da média FHC, mas medir renda em prazo curto idiotiza debate

QUASE TODO mundo parece concordar que a política social luliana reduziu as diferenças de renda no Brasil. Mas há várias ironias esquecidas na história desse sucesso de marketing conservador. A primeira delas é que o ritmo Lula de redução da desigualdade caiu em 2005 para um nível abaixo da média tucana, com Bolsa-Família e tudo. Considerados só os números sociais dos anos em que os orçamentos foram feitos pelos seus próprios governos, Lula e FHC mal se diferenciam no páreo da injustiça social.
Uma segunda ironia é Lula fazer sucesso pop renegando não só o besteirol econômico que pregava, mas também um princípio de política social mais sério do antigo petismo.
Era uma política de esquerda a defesa da universalização dos programas sociais, diretriz esquecida da Carta de 1988 (e por ora impraticável mesmo). Mas o lulismo, no que pôde interferir no gasto público, adotou a focalização da despesa social (gasto centrado nos mais miseráveis), princípio básico da política do Banco Mundial e do tucanismo.
A terceira ironia, já amarga, é que o lulismo viu a desigualdade cair também devido a uma reorganização produtiva detonada pelo tucanato (que levou à interiorização de parte da produção, que buscava custos salariais menores), às metas de inflação tucanas e à redistribuição de uma renda total estagnada.
A melhoria da distribuição parece associada na última década mais à queda da renda dos mais ricos do que ao aumento da renda dos mais pobres. Sintoma disso vê-se na Pnad 2005: o ritmo luliano de redução da desigualdade caiu quando houve a primeira melhoria na renda dos 10% mais ricos em uma década.
O país está pior, em termos sociais? Não. Mas, além das incertezas sobre os motivos da queda das diferenças de renda, pouco sabemos sobre outros fatores da desigualdade.
Os pesquisadores do Ipea Jorge de Castro e José Cardoso Júnior acabam de publicar um texto que relança o seguinte debate: para controlar o efeito redistributivo da despesa social, é preciso saber também de onde sai a receita. O grosso vem de impostos sobre bens e serviços. O peso relativo desses impostos é maior na renda dos mais pobres. Mas a discussão desse balanço quase inexiste.
Embora devagar, na comparação com países que se civilizaram recentemente, cresce o número de anos de estudo dos brasileiros. Mas não se sabe o quanto de tais anos adicionais de educação redundam em aprendizado socialmente relevante. As medidas tucanas, ruins, foram pioradas pelo lulismo.
A receita de impostos é alta demais em relação ao PIB. Mas a formalização do trabalho cresce de modo contínuo (embora exista mesmo muito tributo idiota sobre o emprego). Apesar da onda crescente de populismo tributário, não se sabe se o saldo da necessária contenção de gasto corrente deveria ser concentrado em investimento público ou capilarizada em descontos de impostos, que podem apenas se tornar renda adicional para os mais ricos.
Sabe-se pouco sobre os fatores de criação e redução de desigualdade. A festa simplória sobre índices de Gini obscurece o debate das dimensões da injustiça e o fato de que ela resulta de conflito social, e não só da aritmética de políticas de assistência.


@ - vinit@uol.com.br


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