São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2008

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No futuro, Wall Street terá papel menor

Analistas e banqueiros vêem fim de "superbolha" de crédito que durou 30 anos e da "era dourada" do setor financeiro

Crise atual deve reduzir número de bancos de investimento, que precisarão de base maior de capital para operar

LOUISE STORY
EDMUND L. ANDREWS
DO "NEW YORK TIMES"

A velha Wall Street está abrindo caminho a uma nova.
Enquanto reacomodações tectônicas no setor financeiro americano abalam os mercados mundiais, muitos especialistas prevêem que os eventos das 72 horas anteriores prenunciavam um período de dolorosas mudanças em Wall Street.
As previsões são desanimadoras. Os bancos de investimento serão menores. Seus lucros, mais magros. Os empregos no setor financeiro escassearão. E a dimensão desproporcional que Wall Street veio a assumir na economia do país encolherá.
Esse é o caso extremo. Mas enquanto os investidores tentavam compreender a queda abrupta de duas das mais poderosas empresas de Wall Street -o Lehman Brothers, que entrou em colapso, e o Merrill Lynch, que correu a fechar um acordo de fusão com o Bank of America-, até mesmo os otimistas diziam que o futuro imediato seria difícil. Henry Paulson, o secretário do Tesouro, e o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) estão preparando o terreno para que os poucos sobreviventes vigorosos liderem a recuperação do setor, mas permitirão que as empresas mais fracas desabem ou sejam engolidas por rivais. "Tivemos uma era dourada para os serviços financeiros e bancários", disse Kenneth Lewis, presidente-executivo do Bank of America. "As coisas serão mais difíceis agora. Haverá menos empresas, e teremos de ser melhores no que fazemos".
Há um debate acalorado sobre o que o futuro reserva a Wall Street agora que apenas dois dos grandes bancos de investimento dos EUA, Goldman Sachs e Morgan Stanley, se mantêm independentes. Embora Wall Street já tenha passado por momentos difíceis no passado e saído deles ainda maior e mais forte, há quem questione a capacidade do setor para se recuperar rapidamente, depois de utilizar altos níveis de alavancagem, ou dinheiro emprestado, para apostar de maneira exagerada em investimentos de risco. Esses investimentos se provaram desastrosos. Em todo o mundo, companhias do setor financeiro reportam mais de US$ 500 bilhões em provisões para perdas e prejuízos associados à crise de crédito, e alguns especialistas acreditam que esse total possa passar de US$ 1 trilhão.
Decisões equivocadas no mercado de hipotecas custaram à Merrill Lynch, corretora cujo nome é sinônimo de Wall Street para muitas pessoas comuns, mais de US$ 45 bilhões em prejuízo no ano passado. A venda do grupo pode representar mais um passo na direção de uma consolidação mais ampla.
"Em nosso negócio, estamos todos condicionados a ciclos e crises, e também estamos condicionados a recuperações relativamente rápidas dos mercados, porque a crise pode ser identificada e mensurada", disse Donald Marron, presidente-executivo do Lightyear Capital.
"O que é diferente desta vez é que não se pode fazer qualquer das duas coisas."
A união entre o Bank of America e o Merrill Lynch em certo sentido representa um recuo ao passado. Durante a Depressão, o Congresso separou os bancos comerciais, que aceitam depósitos e fazem empréstimos, dos bancos de investimento, que subscrevem emissões e negociam títulos.
Os bancos de investimento tinham autorização para operar com menos fiscalização, enquanto os bancos comerciais eram mais acompanhados pelas autoridades.
Mas, depois que o Congresso revogou as leis da era da Depressão, em 1999, bancos comerciais começaram a invadir o território de Wall Street. E à medida que os novos concorrentes geravam uma redução nas margens de lucros, os bancos de investimento começaram a usar mais de seu capital para negociar títulos, e a desenvolver mais derivativos financeiros para reforçar os lucros.
Agora, executivos como John Thain, presidente-executivo do Merrill Lynch e ex-executivo do Goldman Sachs, dizem que os bancos de investimento precisarão de bases de depósitos vultosas a fim de escorar seu capital em momentos de crise.
"No futuro, o tamanho importará mais e mais", disse Thain.
Paulson disse a executivos de Wall Street que não está satisfeito com a redução no número de bancos de investimento, ainda que a empresa que ele presidia, o Goldman Sachs, seja um dos dois grandes que podem se beneficiar da reacomodação no setor. Paulson afirmou que uma maior consolidação em Wall Street poderia elevar o grau de risco no sistema financeiro, porque os riscos estarão concentrados em um número menor de empresas. Mas funcionários do Tesouro crêem que esse risco ainda assim represente o mal menor, caso a alternativa seja intervir para impedir o colapso de empresas em crise.
Enquanto isso, o Federal Reserve vem expandindo seus canais extra-oficiais de financiamento para aquilo que, esperam seus dirigentes, seja uma reacomodação ordeira de Wall Street. Mas o Fed e, em última análise, os contribuintes poderiam arcar com o custo.
O que parece estar claro para quase todos em Wall Street é que a era de lucros operacionais imensos e de transações bancadas por endividamento elevado dos bancos é coisa do passado, ao menos por ora. Isso vai restringir os lucros de todo o setor por algum tempo. No exato momento em que os americanos encontram dificuldades para reformar suas casas ou comprar um carro novo, os maiores protagonistas do mercado de Wall Street se vêem forçados a conter as somas que captam de empréstimo.
Wall Street sempre usou dinheiro alheio para reforçar seus lucros, mas nos últimos anos o uso de dinheiro emprestado cresceu de maneira explosiva. Os instrumentos do mercado de crédito do setor financeiro cresceram em mais de 150% nos últimos dez anos e atingiram o total de US$ 15 trilhões no ano passado, de acordo com a Economy.com, do grupo Moody's, crescendo a um ritmo duas vezes mais forte que o da economia mais ampla.
Em seu pico, no ano passado, os bancos de investimento tomaram de empréstimo em média US$ 32 para cada dólar que detinham em ativos, de acordo com pesquisas da Ladenburg Thalmann. Os empréstimos ajudaram o setor a registrar lucros recordes, contratar mais pessoal e pagar bonificações espantosas. E reforçou as ações financeiras, fazendo delas o mais forte segmento no índice S&P 500 de 2001 até o segundo trimestre deste ano.
"Trata-se de uma bolha nos serviços financeiros que se provou bastante semelhante a todas as demais bolhas", disse Olivier Sarkozy, diretor de investimento em serviços financeiros do Carlyle Group, uma empresa de capital privado.
As empresas de Wall Street já estão reduzindo seu nível de endividamento, e as autoridades regulatórias devem criar novas regras quanto a endividamento, liquidez e níveis de capitalização. As novas regras, caso sejam severas, podem forçar Goldman Sachs e Morgan Stanley a fusões com bancos que contem com uma base de depósitos, o que representa uma fonte firme de capital e uma proteção contra colapsos.
Os veteranos de Wall Street estão divididos quanto às dimensões dos problemas do setor. Alguns apontam que Wall Street tende a passar por uma desaceleração ou crise aberta a cada quatro ou cinco anos, e que em geral se recupera rapidamente. Mas outros argumentam que aquilo que está acontecendo agora marca o final de uma "superbolha" de crédito que durou 30 anos e afetou o setor financeiro tanto quanto aos consumidores.
Qualquer que venha a ser o caso, o setor financeiro parece conformado com a idéia de que os salários e os lucros serão mais baixos para todos. "Já que não podem tomar dinheiro emprestado, terão de promover cortes", disse Peter Solomon, presidente do banco de investimento independente que porta seu nome. "E esses cortes envolverão demissões".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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