São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

O risco da política industrial convencional

Há novos paradigmas na economia mundial que deveriam ser bem pesados, antes de que se volte a políticas industriais tradicionais. Talvez não tenha recebido a devida atenção uma detalhada análise da política industrial italiana, por Paolo Gurisatti -professor da Universidade de Veneza e diretor do Parque Científico e Tecnológico Galileo Galilei-, recentemente publicada na mídia.
Nos anos 70, com o avanço da idéia da integração continental, a Itália passou a investir pesadamente na substituição de importações de produtos com alto conteúdo tecnológico. Tentou sair de setores tradicionais para os avançados. Nesse modelo -explica Gurisatti- houve um pacto político entre governo, as grandes indústrias dos setores mais oligopolizados da economia e a área acadêmica.
Na eletrônica e informática, por exemplo, a beneficiada foi a Olivetti, apoiada com recursos públicos para pesquisa e inovação. Esse apoio permitiu à Olivetti enfrentar a concorrência internacional por alguns anos. Depois, não resistiu e quebrou. O mesmo ocorreu em outros setores de capital intensivo, como alumínio e química fina.
Hoje em dia, a Itália continua depende de importações de componentes eletrônicos e de tecnologia da informação, e tem caído ano a ano a participação de seus setores de alto conteúdo tecnológico no comércio mundial.
O país acabou se livrando de uma crise no balanço de pagamentos, graças justamente aos setores tradicionais e a produtos fabricados por micro e pequenas empresas, que conseguiram montar seu modelo mesmo sem o apoio do governo e do mundo acadêmico.
O economista estudou detidamente a questão, para entender onde a Itália falhou. Foi buscar respostas em estudos de Alfred Marshall sobre os distritos têxteis da Inglaterra, organizados antes da predominância do "fordismo".
O conceito da grande organização "fordista" ganhou corações e mentes nas escolas de economia e nos programas de desenvolvimento nacional. No seu estudo, Marshall constatava que o grande fator de competitividade sustentável era a disseminação de conhecimento, que não podia ficar restrito a uma única empresa, por mais organizada que fosse.
Mais que isso, é um fenômeno social que envolve numerosas estruturas e instituições de um território, constatava Marshall. No caso de Manchester, havia um mercado de trabalho unificado e eficiente, que formava fornecedores especializados em produzir para economias externas, transferir inovações, tudo dentro de relações de confiança que promoviam a difusão da informação.
Na Itália, a Olivetti faliu porque não encontrou o ambiente de inovação favorável. Conclui Gusiatti que o ambiente ideal é o local, "composto por um vasto conjunto de empresas e de instituições, residência de pessoas que investem conjuntamente num determinado conjunto de conhecimentos que representa o recurso essencial para uma indústria competitiva".
Não será possível a nenhum país aberto à competição internacional criar um ambiente inovador apostando apenas na grande indústria oligopolista, diz.
Os distritos industriais criaram capital social, redes de relações entre atores políticos e econômicos imbatíveis. "Em vez de tentar substituir importações, teria sido mais eficaz investir na valorização dos recursos e dos conhecimentos locais, mesmo os mais tradicionais", explica Gurisatti. "Mas isso só ficou claro posteriormente."
A partir dessas lições, conclui que o caminho do país será valorizar os conhecimento locais, mas aceitando o desafio de aprofundar a abertura e confrontar com o mundo exterior, mesmo que isso implique, no início, custos altos de aprendizagem e adaptação.

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