São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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BEBIDA FINA

Exigência de grão de maior qualidade no exterior incrementa produção brasileira; consumo interno ainda é restrito

Mercado nacional se rende aos cafés especiais

MAURO ZAFALON
ENVIADO ESPECIAL A PEDRA AZUL (ES)

O café brasileiro é de má qualidade? Se a resposta focar o passado, apontará que o país sempre esteve abaixo da linha de qualidade média atingida pela maioria dos participantes do mercado internacional. Se focar o futuro, indicará que o cenário poderá ser bem diferente daqui para a frente.
"O Brasil sempre foi o melhor time da segunda divisão. Abastecia o mundo, mas com um produto de baixo preço", afirma Sílvio Leite, da Agribahia, empresa do setor de café.
"A imagem do Brasil sempre esteve abaixo de zero, enquanto a de países como a Colômbia e outros produtores da América Central se destacava", acrescenta Alf Kramer, um norueguês que, nos últimos anos, sempre esteve no país à procura de cafés especiais.
A posição brasileira no mercado internacional foi uma exigência do próprio tamanho da produção nacional. Como líder mundial na produção, o Brasil tinha de colocar grande volume no mercado externo, o que levou o país a priorizar a quantidade -e não a qualidade- nas negociações, diz Guilherme Braga, presidente do Cecafé (reúne os exportadores).
O cenário mundial do café, no entanto, está mudando, e os países consumidores exigem um produto cada vez com maior qualidade. O surgimento de inúmeras cafeterias, que vieram a reboque da bem-sucedida norte-americana Starbucks, forçou a busca de um produto de qualidade também nas áreas produtivas.
A largada para a corrida da qualidade foi dada há mais de uma década, mas o Brasil ficou apenas assistindo, acreditando que esse não seria o caminho. Kramer diz que, "nessa corrida de 400 metros, os brasileiros saem pelo menos 50 metros antes da linha de partida".

Bebida "cool"
O café de qualidade veio para ficar. Danny O'Neill, da norte-americana The Roasterie, diz que esse é um mercado em rápida expansão. Ele diz isso com base nos números da própria empresa, que mostram crescimento de 20% ao ano. Já o consumo do café "commodity" (o normal) apenas acompanha o crescimento vegetativo da população.
"Tomar café hoje é "cool" (legal, bacana) e atrai os jovens", frisa O'Neill. Essa tendência ocorre nos Estados Unidos, na Europa, na Rússia, no Japão e em outros países. Até a China, tradicional consumidora de chá, está vendendo cafés finos nas cafeterias. "O jovem hoje tem maior poder aquisitivo do que seus pais tinham e, por isso, quer um produto de maior qualidade", diz O'Neill.
A maior participação do jovem no consumo de cafés finos é muito importante para o mercado como um todo. O'Neill diz que esse começo pode significar um consumidor para o resto da vida.

"Benção divina"
O Brasil começa a mostrar a cara nesse mercado, tanto no da produção como no da montagem de cafeterias. Com a desregulamentação do setor e a saída do IBC (o antigo Instituto Brasileiro do Café) do mercado, alguns produtores se uniram, formaram uma associação e passaram a cuidar mais da qualidade do café.
Hoje, esse movimento cresce e a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA - Brazil Speciality Coffee Association) acaba de realizar o 6º Concurso de Qualidade Cafés do Brasil.
O evento deste ano contou com 24 participantes estrangeiros para avaliar o produto brasileiro. Da participação inicial de 695 produtores, foram classificados pouco mais de 30 para um leilão que será realizado em 18 de novembro, pela internet, segundo Edgard Bressani, diretor-presidente da BSCA. Os números finais de produtores e a lista dos ganhadores só serão divulgados amanhã.
Kentaro Maruyama, que representa um grupo de 20 importadores japoneses e um dos participantes do evento, diz que "alguns cafés são uma benção divina".
Arrematador dos cafés "número um" dos dois últimos leilões, ele não esconde a intenção de, mais uma vez, levar o produto mais bem classificado deste ano.
Esse importador, que chegou a pagar US$ 1.700 por saca de café no Brasil há dois anos, pode pagar caro pelo lote "número um" deste ano. Alguns participantes do concurso arriscam valores de até US$ 2.000 por saca, dependendo do tamanho do lote. Se esse valor for confirmado, supera em 2.200% o praticado pelas cooperativas no mercado interno.

Mercado mundial pequeno
Esses números, no entanto, não impressionam os produtores brasileiros. Nilo Otero, da Realeza Specialty Coffees, diz que "é preciso baixar os preços, aumentar o volume e trazer mais compradores para o mercado brasileiro". Uma vez no mercado, "esses compradores sempre voltam", diz Henrique Dias Cambraia, da Cambraia Cafés.
Mesmo que pague de US$ 25 a US$ 30 por quilo do produto nacional, Maruyama terá bons lucros, já que o café que comprou no leilão de 2003 foi vendido por US$ 80 o quilo no mercado do Japão.
Entusiasta do café nacional, ele diz que "meu sonho é ter um catálogo apenas com os sabores de cafés brasileiros, do Paraná à Bahia, para oferecer a meus clientes".
Maruyama diz que o mercado japonês passa por fortes mudanças. Caiu o consumo de cafés prontos, normalmente comercializados em latinhas, e aumentou o feito em casa, que exige mais qualidade.
O mercado mundial de cafés especiais ainda é pequeno e soma 6 milhões de sacas, cerca de 15% do consumo global. O Brasil, maior fornecedor mundial de café "commodity", com 30% do mercado, ainda participa muito pouco das vendas dos especiais. As exportações certificadas pela BSCA somaram 300 mil sacas em 2003. A entidade calcula que outras 300 mil sacas foram exportadas sem a sua certificação.
Os compradores de cafés especiais estão mais exigentes. Além de um produto feito com uma série de cuidados e com controle de qualidade, os cafés finos devem incluir o controle de origem e compromissos do produtor com as condições de trabalho nas fazendas e com a preservação do ambiente, diz Alexandre Frossard Nogueira, da fazenda Fortaleza.
O Brasil chegou tarde nesse mercado, mas tem condições de crescer. O país mantém forte presença vendedora entre os líderes mundiais de consumo, como Finlândia, Suécia e Dinamarca.
Além disso, o país tem cafés de muitos sabores, o que aumenta o potencial de exportação. Outro fator favorável é que 90% do valor do café exportado vai para o produtor, taxa que cai para 70% na América Central e apenas 30% em Uganda e no Quênia. Essa maior participação no preço de exportação dá maior fôlego ao produtor para investir na melhora do café.
Os produtores acreditam também no avanço do consumo de cafés finos no mercado interno, apesar da baixa renda dos consumidores. São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Curitiba podem ser o carro-chefe desse avanço.


O jornalista Mauro Zafalon viajou a convite da BSCA


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