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ALIANÇA IMPENSÁVEL
Para negociador, "caiu a ficha" nos EUA de que posição do Brasil não era ideologia, mas "business"
Brasil festeja fim de "bangue-bangue" na Alca
DO ENVIADO ESPECIAL A MIAMI
Camisa branca, sem gravata e
paletó, barba também branca, o
embaixador Adhemar Bahadian,
co-presidente, pelo Brasil, do processo negociador da Alca, festejava no almoço de ontem o que
considera o "fim do bangue-bangue" entre Brasil e EUA.
À mesma mesa do Hotel Intercontinental, QG da conferência
ministerial da Alca, com vista para as águas do oceano Atlântico,
fortemente patrulhadas pela
Guarda Costeira, o chefe da delegação brasileira (até a chegada
dos ministros), embaixador Luiz
Filipe de Macedo Soares, também
usa a linguagem de faroeste para
resumir a situação:
"Antes, o Brasil estava atacando
o forte (a concepção de uma Alca
abrangente). Agora, com o acordo com os Estados Unidos, entrou no forte. É sempre mais fácil
defendê-lo do que atacá-lo."
Que estão no mesmo forte fica
claro pelo desdobramento do
mais recente petardo supostamente lançado por Robert Zoellick, o chefe do comércio exterior
norte-americano, contra, teoricamente, o Brasil.
Em conversa com um grupo de
jornalistas norte-americanos, na
sexta-feira, Zoellick disse que "os
negociadores podem ter que estruturar um acordo em que países
individualmente recebam mais
benefícios à medida em que façam mais concessões", na versão
publicada pelo jornal "The Miami
Herald" (que, no entanto, não colocou aspas nessa frase).
A declaração foi imediatamente
traduzida, no Intercontinental,
como uma ameaça ao Brasil: já
que o país não fará concessão nas
áreas de interesse norte-americano (investimentos, compras governamentais, serviços e propriedade intelectual), então também
não receberia benefícios de acesso
ao mercado mais cobiçado do
mundo, o dos EUA.
A intriga é compatível com o
"bangue-bangue" anterior ao
qual se refere Bahadian. Mas a Folha procurou saber, na delegação
norte-americana, se a frase corresponderia a uma posição negociadora a ser formalmente lançada em Miami.
Não, foi a resposta. Até porque
Zoellick teria dito, ouviu a Folha,
que "tem gente" falando que mais
concessões corresponderiam a
mais benefícios. Não seria, portanto, a posição dele próprio, mas
uma constatação sem maiores reflexos na negociação (o que não
impede que alguns países estejam
tentando levar avante a teoria de
igualar concessões amplas a benefícios mais suculentos).
Como foi possível que Brasil e
Estados Unidos, que passaram os
dois meses transcorridos desde a
reunião da OMC em Cancún trocando duras críticas e até ameaças, chegassem ao encontro de
Miami no mesmo forte?
É claro que a explicação completa demandará tempo, mas já
há alguns fiapos de resposta.
Primeiro, o fato óbvio de que
houve uma mudança geral no
ambiente americano, o que o próprio Zoellick admitiu na conversa
de sexta-feira: afirmou que "os
tempos mudaram" desde que o
processo Alca foi lançado, em
1994, quando os países diziam-se
desejosos de negociar tudo na Alca. Agora, "temos que reduzi-la a
aquilo que pensamos que se pode
razoavelmente alcançar", disse.
Para o embaixador Bahadian, o
que mudou, mais recentemente,
foi o fato de que os EUA (leia-se
Zoellick) passaram a aceitar que o
Brasil não poderia concordar com
uma agenda tão ambiciosa como
a inicialmente desenhada.
De fato, na mesma entrevista,
Zoellick lembra, de passagem,
que "os governos mudaram", óbvia alusão ao fato de que, no Brasil, entrou Luiz Inácio Lula da Silva, que, até um ano atrás, achava a
Alca uma "anexação", não uma
negociação comercial.
Além disso, segundo Bahadian,
"caiu a ficha" nos outros parceiros, que entenderam finalmente
que a proposta brasileira de uma
Alca "light" não tinha caráter
ideológico. "É business", diz ele.
Ou seja, uma proposta de negócios que sejam "equilibrados" para todas as partes, termo de que a
delegação brasileira jamais abriu
mão.
(CLÓVIS ROSSI)
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