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São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2003

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ALIANÇA IMPENSÁVEL

Para negociador, "caiu a ficha" nos EUA de que posição do Brasil não era ideologia, mas "business"

Brasil festeja fim de "bangue-bangue" na Alca

DO ENVIADO ESPECIAL A MIAMI

Camisa branca, sem gravata e paletó, barba também branca, o embaixador Adhemar Bahadian, co-presidente, pelo Brasil, do processo negociador da Alca, festejava no almoço de ontem o que considera o "fim do bangue-bangue" entre Brasil e EUA.
À mesma mesa do Hotel Intercontinental, QG da conferência ministerial da Alca, com vista para as águas do oceano Atlântico, fortemente patrulhadas pela Guarda Costeira, o chefe da delegação brasileira (até a chegada dos ministros), embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares, também usa a linguagem de faroeste para resumir a situação:
"Antes, o Brasil estava atacando o forte (a concepção de uma Alca abrangente). Agora, com o acordo com os Estados Unidos, entrou no forte. É sempre mais fácil defendê-lo do que atacá-lo."
Que estão no mesmo forte fica claro pelo desdobramento do mais recente petardo supostamente lançado por Robert Zoellick, o chefe do comércio exterior norte-americano, contra, teoricamente, o Brasil.
Em conversa com um grupo de jornalistas norte-americanos, na sexta-feira, Zoellick disse que "os negociadores podem ter que estruturar um acordo em que países individualmente recebam mais benefícios à medida em que façam mais concessões", na versão publicada pelo jornal "The Miami Herald" (que, no entanto, não colocou aspas nessa frase).
A declaração foi imediatamente traduzida, no Intercontinental, como uma ameaça ao Brasil: já que o país não fará concessão nas áreas de interesse norte-americano (investimentos, compras governamentais, serviços e propriedade intelectual), então também não receberia benefícios de acesso ao mercado mais cobiçado do mundo, o dos EUA.
A intriga é compatível com o "bangue-bangue" anterior ao qual se refere Bahadian. Mas a Folha procurou saber, na delegação norte-americana, se a frase corresponderia a uma posição negociadora a ser formalmente lançada em Miami.
Não, foi a resposta. Até porque Zoellick teria dito, ouviu a Folha, que "tem gente" falando que mais concessões corresponderiam a mais benefícios. Não seria, portanto, a posição dele próprio, mas uma constatação sem maiores reflexos na negociação (o que não impede que alguns países estejam tentando levar avante a teoria de igualar concessões amplas a benefícios mais suculentos).
Como foi possível que Brasil e Estados Unidos, que passaram os dois meses transcorridos desde a reunião da OMC em Cancún trocando duras críticas e até ameaças, chegassem ao encontro de Miami no mesmo forte?
É claro que a explicação completa demandará tempo, mas já há alguns fiapos de resposta.
Primeiro, o fato óbvio de que houve uma mudança geral no ambiente americano, o que o próprio Zoellick admitiu na conversa de sexta-feira: afirmou que "os tempos mudaram" desde que o processo Alca foi lançado, em 1994, quando os países diziam-se desejosos de negociar tudo na Alca. Agora, "temos que reduzi-la a aquilo que pensamos que se pode razoavelmente alcançar", disse.
Para o embaixador Bahadian, o que mudou, mais recentemente, foi o fato de que os EUA (leia-se Zoellick) passaram a aceitar que o Brasil não poderia concordar com uma agenda tão ambiciosa como a inicialmente desenhada.
De fato, na mesma entrevista, Zoellick lembra, de passagem, que "os governos mudaram", óbvia alusão ao fato de que, no Brasil, entrou Luiz Inácio Lula da Silva, que, até um ano atrás, achava a Alca uma "anexação", não uma negociação comercial.
Além disso, segundo Bahadian, "caiu a ficha" nos outros parceiros, que entenderam finalmente que a proposta brasileira de uma Alca "light" não tinha caráter ideológico. "É business", diz ele. Ou seja, uma proposta de negócios que sejam "equilibrados" para todas as partes, termo de que a delegação brasileira jamais abriu mão. (CLÓVIS ROSSI)


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