São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

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Economista mudou conceito sobre preços

Friedman mostrou que, diferentemente do que se acreditava, combater desemprego com inflação mais alta não funciona

Para ele, decisão de poupar ou gastar depende mais da expectativa de renda ao longo da vida que do dinheiro disponível no momento


SAMUEL BRITTAN
DO "FINANCIAL TIMES"

A carreira de Milton Friedman representa uma arquetípica história de sucesso norte-americana. Friedman nasceu em Nova York, em 1912, filho de imigrantes pobres, e seu pai morreu quando ele tinha apenas 15 anos.
Em 1938, Friedman se casou com Rose Director, ela mesma economista e co-autora de alguns dos livros de interesse mais geral que ele publicou. A vida familiar firme fornece uma pista importante quanto à personalidade do economista.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Friedman não só trabalhou para o Tesouro dos Estados Unidos mas também para o grupo de pesquisa estatística sobre a guerra organizado pela Universidade Columbia. Ele se tornou professor de Economia na Universidade Chicago em 1946 e manteve seu posto na instituição até a aposentadoria. Os primeiros trabalhos de Friedman tinham por tema as bases matemáticas da estatística.
"Essays in Positive Economics" [Ensaios sobre economia positiva], livro publicado por Friedman em 1953, continha um famoso ensaio sobre método. Enquanto muitos outros economistas se sentiam embaraçados diante da visão excessivamente simplista sobre a natureza humana que boa parte das teorias econômicas adotavam, ele, caracteristicamente, não via problema quanto a isso. Determinar a validade de uma teoria, declarou, depende do sucesso das previsões que possam ser feitas com base nela, e não do realismo descritivo de seus pressupostos.
Os métodos de Friedman surgiram como uma lufada de ar fresco para muitos dos defensores acadêmicos do capitalismo de mercado, que anteriormente se viam como teóricos passivos e sob permanente assédio, ao contrário dos econometristas e outros pesquisadores quantitativos.
A despeito de suas opiniões políticas raramente estarem na moda, Friedman falava o mesmo idioma que os keynesianos do pós-guerra, combinava equações a séries históricas e criou um novo campo de trabalho para os economistas na investigação das funções de "demanda por dinheiro".
De fato, sua contribuição foi essencial. Pois, se truísmos tradicionais sobre a relação entre dinheiro e preços ou sobre a inutilidade de empregar gastos públicos como ferramenta nacional de promoção de emprego esperavam reabilitação, seria preciso fazê-lo empregando roupagem estatística moderna.


Friedman em Cambridge
Meu primeiro encontro com Friedman aconteceu nos anos 1950, quando eu estava na faculdade em Cambridge (Inglaterra) e ele estava pesquisando durante uma licença sabática.
Nos anos 1950, Friedman era muito mais conhecido pela defesa do livre câmbio do que pelo monetarismo. O contexto era a preocupação generalizada quanto a uma suposta escassez de dólares, que Friedman acreditava se devesse às taxas de câmbio supervalorizadas na Europa e em outras regiões.
"É certo que existe escassez de dólares no Reino Unido", ele dizia, "como existe uma escassez de dólares nos bolsos de cada cidadão norte-americano". Ele riu por último, porque poucos anos depois a suposta escassez de dólares se transformou em um igualmente mítico superávit de dólares.
Durante o resto de sua carreira, Friedman se ocupou em larga medida do teste empírico de idéias econômicas. Sua maior realização foi a "Teoria da Função de Consumo", que ele desenvolveu e publicou em 1957, o trabalho mencionado com mais destaque na citação para o Prêmio Nobel que ele conquistou em 1976. Os dados em seção cruzada pareciam indicar que a porcentagem de renda economizada crescia à medida que a renda crescia. Por outro lado, os dados de séries históricas demonstravam mudança muito menor na proporção de renda economizada ao longo dos anos. A solução do enigma era que as decisões de gastos e poupança dependiam das opiniões das pessoas sobre sua renda de longo prazo, mas elas se sentiam muito menos inclinados a realizar ajustes com base em variações transitórias de renda.
A função de consumo de Friedman era tão completa e convincente na combinação de teoria e dados que conquistou a adesão de muitos economistas nada inclinados a apreciar suas implicações políticas.
Foi no final dos anos 1950 e nos anos 1960 que Friedman desenvolveu as doutrinas monetaristas pelas quais se tornou mais conhecido. Ele considerava o dinheiro como um ativo. O desejo público de manter esse ativo dependia da renda, dos juros e da expectativa de inflação.
Se mais dinheiro se tornasse disponível, o efeito poderia, inicialmente, ser o de elevar a produção e renda real, mas ao final do processo o resultado seria simplesmente uma elevação mais ou menos proporcional dos preços.


História monetária
O livro em que ele tentou demonstrar de maneira mais completa o papel ativo do dinheiro foi "A Monetary History of the US, 1867-1960" [Uma História Monetária dos EUA, 1867-1960], publicado em 1963 com Anna Schwartz. O livro é sua obra-prima. Contém pouquíssimas equações e foi lido com prazer e de maneira proveitosa, como um trabalho de história, até mesmo por pessoas que discordavam de, ou eram indiferentes a, doutrinas que o trabalho foi escrito para promover.
A conclusão filosófica extraída por Friedman foi a sua famosa regra da base monetária -um crescimento estável da base monetária, ano após ano. Ele aceitava que essa não era a única política que se poderia extrair da análise monetarista. Mas quase todas as estratégias monetaristas que viriam a ser sugeridas terminaram envolvidas em dificuldades, à medida que os ativos financeiros proliferavam e com eles o número de definições concorrentes sobre o que constitui "dinheiro".
Alguns economistas talvez argumentem que a mais importante contribuição de Friedman à macroeconomia estava não em seu trabalho técnico sobre o monetarismo, mas no discurso que ele fez em 1967 à Associação de Economistas Norte-Americanos.
No discurso, ele demonstrou que a idéia de uma correlação estável entre inflação e desemprego, que dominava o pensamento econômico sob o nome de curva de Phillips e parecia oferecer aos governos uma gama de escolhas quanto ao assunto, era inválida.
Suponhamos que um governo ou banco central tentasse elevar a produção ou emprego à custa de inflação mais elevada. Assim que os participantes do mercado começassem a levar a inflação em conta no seu comportamento, a economia terminaria por atingir o mesmo índice de desemprego.
Se as autoridades persistissem em tentar atingir meta ambiciosa demais de redução do desemprego, o resultado não seria apenas inflação, mas inflação em aceleração, algo com que nenhuma sociedade pode conviver por longos períodos.
Essa família de doutrinas de Friedman ocasionalmente era designada "curva de Phillips vertical", ou "hipótese de aceleração", ou "nível natural" de desemprego. Este último representava o nível em que uma economia se estabilizaria assim que um nível estável de inflação viesse a ser atingido.
O nome mais tarde foi mudado, por alguns economistas, para "nairu" acrônimo para "non-accelerating inflation rate of unemployment" (índice de desemprego que não causa aceleração da inflação), para banir a idéia de que existisse algo de natural quanto a ele.
Foi um tanto decepcionante para os interessados em macroeconomia, e não em questões técnicas do monetarismo, que Friedman não fizesse uso mais extenso do conceito de nairu em suas obras destinadas a um público mais leigo.

Thatcher
A influência direta de Friedman sobre Margaret Thatcher era muito menor do que se supõe. Ainda que eles tenham jantado juntos antes da eleição britânica de 1979, os dois não conheciam muito bem. Sua fonte de inspiração, segundo Thatcher, foi Friedrich Hayek.
Mesmo assim, Friedman exerceu efeito evidente, ainda que indireto, sobre diversos de seus assessores e ministros. A estratégia financeira de médio prazo adotada pelo Reino Unido nos anos 1980, com sua meta de reduzir gradualmente o crescimento da base monetária e abandonar os esforços de sintonia fina da política fiscal, obviamente derivava do trabalho do economista de Chicago.
Mas o mestre criticou a estratégia, porque o Banco da Inglaterra continuava a regular os juros por meio das taxas de juros e não da base monetária.
A modernidade mesma de Friedman significa que suas conclusões técnicas estão vulneráveis ao trabalho de pesquisadores capazes de empregar métodos estatísticos atualizados. Mas o diálogo metodológico entre diferentes escolas de economistas defensores do livre mercado não teria sido possível caso Friedman não tivesse desalojado os coletivistas de sua posição de preeminência.
Nas duas décadas finais de sua vida, Friedman manteve distância da economia neoclássica, baseada em expectativas racionais e compensação rápida de mercados. Ele temia que os economistas estivessem se deixando aprisionar em uma busca por rigor e elegância matemática como fins em si.
Para além das questões monetárias, Friedman foi sempre um economista convencional. Como ele mesmo escreveu em "Capitalism and Freedom" [capitalismo e liberdade], Friedman não era capaz de oferecer uma regra clara quanto aos limites de intervenção governamental.
Friedman mesmo atribuía a difusão do livre mercado e das idéias monetaristas a um reconhecimento tardio das conseqüências dos gastos públicos descontrolados e da inflação elevada dos anos 1970. Mas, na medida em que essa reação se expressou de maneira coerente e racional, boa parte do crédito deve ser atribuído a ele.
O sucesso das políticas de livre mercado, é claro, gerou novos problemas, e o mundo seria muito feliz caso dispuséssemos novamente de um Friedman aos 30 anos para comentar e analisar novos desafios.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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