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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Ilha de prosperidade
No momento em que pesam
nuvens sombrias sobre a
economia mundial, nossa
irresponsabilidade é exemplar
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A SITUAÇÃO do Brasil hoje lembra a de 1973. Naquela época,
enquanto a economia mundial entrava em crise, causada pelo
primeiro choque do petróleo, o Brasil continuava com seus grandes planos de desenvolvimento econômico
e se declarava "uma ilha de prosperidade". Agora não temos planos, mas
a idéia da ilha de prosperidade está
em toda a parte, alimentada pelo
provável crescimento de 5% neste
ano, que, segundo previsões otimistas, deverá se repetir no próximo.
A crise financeira mundial, entretanto, está aí; já representou um
prejuízo de US$ 80 bilhões para as
instituições financeiras internacionais, mas os prejuízos reconhecidos
não deverão parar aí: aumentarão
muito quando os bancos tiverem
que publicar seus balanços. A crise
financeira desencadeada pelas hipotecas imobiliárias não é uma crise de
balanço de pagamentos como as que
nós conhecemos nos países em desenvolvimento, mas uma crise bancária clássica. Foram os bancos que
emprestaram em excesso a taxas de
juros elevadas e sem atentar para os
riscos -emprestaram diretamente
aos compradores de residência- e
-o que foi mais grave- fizeram empréstimos interbancários por meio
de inovações financeiras sem transparência, embora avaliadas como
boas pelas agências de risco.
O caráter bancário da crise é reconhecido por todos os analistas internacionais. Em seguida, perguntam
se o resultado será recessão nos Estados Unidos. E respondem: provavelmente, sim. Ao agirem assim, entretanto, também eles estão sendo
otimistas. Todos esquecem o pano
de fundo dessa crise, que são os
grandes déficits fiscais e em conta
corrente americanos (esses, felizmente, em queda), que estão levando os mercados financeiros a perderem confiança no dólar como moeda
de reserva.
Os mercados são espaços institucionais nos quais os agentes econômicos fazem transações com base
na confiança -confiança que é mais
importante nos mercados financeiros do que nos reais, porque naqueles há uma base material, e nestes,
apenas a própria confiança. Ora, o
que está acontecendo na economia
mundial neste momento é uma grave perda de confiança não apenas
nas instituições bancárias que especularam de forma irresponsável mas
no Estado americano e na sua moeda, que não pára de se depreciar,
causando enormes perdas para os
detentores de riqueza em dólar. Na
"Economist" do dia 7, o título da primeira página era "O pânico em relação ao dólar" e o editorial afirmava:
"O problema não está mais apenas
nas más hipotecas e nos seus efeitos
nos mercados financeiros. Os Estados Unidos podem estar entrando
em recessão. E um novo medo está
tomando os mercados: o de que o
dólar continue a cair e saia de controle". Os bancos centrais estão fazendo o que podem para controlar a
crise, baixando juros e injetando liquidez no sistema, mas é preciso
não superestimar seu poder.
Enquanto isso, na nossa ilha de
prosperidade, nós, brasileiros, celebramos nossas modestas (quando
comparadas com a dos demais países emergentes) taxas de crescimento, esquecemos que nossa taxa
de câmbio é insustentável a médio
prazo e não damos atenção ao fato
de que no último trimestre as importações subiram 20,4% sobre o
mesmo período do ano passado,
contra crescimento das exportações
de apenas 1,8%. No momento em
que pesam nuvens sombrias sobre a
economia mundial, nossa irresponsabilidade é exemplar.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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