São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Para Lessa, faltaram garantias sólidas

Presidente do BNDES diz que novos problemas podem surgir

DA SUCURSAL DO RIO

O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa, disse à Folha que a atual administração do banco "herdou uma quantidade grande de problemas" nos empréstimos concedidos às empresas privatizadas no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
"Sempre disse que, quando herdamos a carteira ativa das operações da privatização, herdamos uma quantidade grande de problemas, mas que o maior deles [o empréstimo à AES] já foi resolvido. Creio que, felizmente, de boa maneira", afirmou.
Indagado se emprestaria dinheiro a essas empresas na época da privatização, respondeu: "Talvez. Se tivesse uma ordem da Presidência da República para fazer isso, eu cumpriria a ordem".
Lessa ressaltou que o problema maior foi o modo como foram feitos os contratos. De acordo com ele, a exigência de garantias foi "muito frágil".
"Eu até emprestaria. Mas exigiria garantias muito mais sólidas do que aquelas que estão nos contratos originais. Nunca aceitaria fazer uma operação com empresas de papel [sem ativos reais para garantir o empréstimo] tendo como única garantia as ações dessa empresa de papel", disse.
Lessa se referiu à Eletropaulo, cujo controle pertence a uma subsidiária da AES sediada num paraíso fiscal. Foram as ações dessa empresa que garantiram o empréstimo para a compra da distribuidora paulista. A dívida da AES com o banco é de US$ 1,2 bilhão.
Pelo acordo, o BNDES trocou metade do débito de US$ 1,2 bilhão por participações em empresas controladas pela AES, tornando-se sócio da companhia. Para gerir os ativos, foi criada uma empresa, a Brasiliana, cujo controle é dividido entre o BNDES (54%) e AES (46%).
Os outros US$ 600 milhões serão pagos pela AES parceladamente. Lessa disse que, resolvido esse problema, o banco tem apenas mais um caso grave a ser equacionado.
Trata-se da inadimplência do consórcio liderado pela AES, que tomou um empréstimo para comprar 32% da Cemig. Por esse motivo, o BNDES provisionou o valor total da dívida em seu balanço: US$ 700 milhões.
Lessa não descarta que "novos problemas vão surgir". Sem citar nomes, disse apenas que todos serão "resolvidos" pelo banco. "As operações com as múltis muitas vezes são interessantes ao país, mas têm de ser operadas com muito cuidado para não termos surpresas do tipo Enron, WorldCom, AES e Parmalat."
Nos três primeiros casos citados por Lessa, as companhias adquiriram empresas durante o processo de privatização no Brasil. Todas elas tiveram problemas financeiros -em alguns casos, deflagrados por escândalos contábeis.
"A idéia de que basta ser um investimento do exterior para a gente soltar foguetes muitas vezes acaba se revelando em veneno puro", afirmou.
Para comentar os empréstimos das privatizações, a Folha tentou localizar dois ex-presidentes do BNDES: Luiz Carlos Mendonça de Barros e Francisco Gros. O primeiro não respondeu a ligação. O segundo não foi localizado.

Provisões
O BNDES informou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que não poderia dar números sobre provisões do banco para créditos de difícil recebimento nem quanto dos empréstimos concedidos a companhias privatizadas retornaram aos cofres do BNDES. O motivo alegado é o sigilo bancário.
O BNDES só comenta dívidas com autorização dos clientes ou depois que os próprios divulgam os dados. Quando o caso torna-se de interesse público (caso de falência ou concordata de uma empresa, por exemplo) ou sob investigação de autoridades, o banco também costuma se pronunciar.
(PEDRO SOARES)


Texto Anterior: Estudo utiliza dados do IBGE
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.