São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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Governo injeta US$ 15,6 bi em privatizadas

Empréstimos feitos pelo BNDES a 101 empresas vendidas pela União correspondem a 14,8% do total arrecadado com privatizações

OTÁVIO CABRAL
DO PAINEL, EM BRASÍLIA

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo federal injetou, por meio de empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), US$ 15,6 bilhões em 101 empresas que foram privatizadas ou das quais a União deixou de ser acionista.
Levantamento inédito da Folha, feito a partir de dados reservados do banco, permitiu quantificar o valor que cada uma dessas empresas recebeu em empréstimos no período de janeiro de 1992 a setembro de 2003.
A soma dos recursos corresponde a 14,8% dos US$ 105,5 bilhões que a União e os Estados arrecadaram com privatizações e com a venda de participações de estatais desde 1991.
Há casos de empresas que já receberam do BNDES muito mais dinheiro do que renderam seus leilões de privatização.
A Barcas S.A., por exemplo, que opera a travessia marítima entre o Rio de Janeiro e Niterói, foi vendida por R$ 38,5 milhões em 1998 (na época a cotação do real era quase paritária com o dólar) e já recebeu US$ 77 milhões em empréstimos públicos.
A petroquímica Oxiteno rendeu à União US$ 53 milhões em 1993, quando o governo vendeu sua participação acionária (minoritária) na empresa, mas já conseguiu do BNDES, desde então, US$ 98 milhões.
Numa conta conservadora, utilizando-se a taxa de câmbio de R$ 2,80 por dólar, o valor total repassado pelo BNDES às ex-estatais é equivalente a R$ 43,8 bilhões. Apenas para efeito de comparação, é mais de cem vezes o orçamento anual do Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar, responsável pelo Fome Zero, que tem R$ 417 milhões previstos para 2004.
O montante também é maior do que a soma dos recursos dos ministérios da Saúde (R$ 36,5 bilhões) e da Assistência Social (R$ 8,2 bilhões) no Orçamento da União de 2004.
Há também casos de empresas que receberam em empréstimos do BNDES bem menos do que seu valor de venda. A Embratel, por exemplo, comprada em 1998 pela americana MCI por cerca de US$ 2 bilhões, captou US$ 21 milhões no BNDES após a venda.
A empresa que mais obteve recursos do BNDES foi a Embraer, fábrica de aeronaves com sede em São José dos Campos (SP). A companhia recebeu US$ 4,15 bilhões entre 1995 e 2003.
Em seguida, aparecem a Usiminas (Usina Siderúrgica de Minas Gerais), com U$ 1,575 bilhão; a Brasil Telecom, com US$ 1,405 bilhão; e a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), com US$ 723 milhões.
Completam a lista das dez empresas privatizadas que mais receberam recursos do BNDES a Eletropaulo Metropolitana, a Light, a Telemar Norte Leste S.A., a Acesita, a Companhia Paulista de Força e Luz e a Companhia Siderúrgica de Tubarão.
Somados, esses dez grupos obtiveram empréstimos de US$ 10,7 bilhões do BNDES, o que equivale a 68,5% de tudo que foi injetado nas empresas pós-privatização.

Reestruturação e produção
Segundo o BNDES, os recursos não foram emprestados para a compra das empresas, mas sim para reestruturar as finanças e incentivar a produção e a exportação das companhias após o processo de privatização.
Dos US$ 15,6 bilhões concedidos, apenas US$ 300 milhões ingressaram na contabilidade das empresas no ano em que foram a leilão. O restante dos aportes foi feito em anos posteriores à venda.
O setor que mais recebeu recursos do banco foi o de transportes: US$ 4,5 bilhões (29% do total de empréstimos). Fundamentalmente por conta dos US$ 4,1 bilhões repassados à Embraer.
As empresas de telecomunicações receberam US$ 3,7 bilhões (24% do total). A seguir vêm os setores de siderurgia, com US$ 3,5 bilhões (22,5%); elétrico, com US$ 3 bilhões (19%); e, por último, petroquímico, com US$ 831 milhões (5,5%).
Essa proporção não segue a da arrecadação do governo com as privatizações. Nesse caso, transportes representam apenas 2% dos US$ 105,5 bilhões amealhados em leilões e vendas de participações acionárias.
O setor de telecomunicações lidera a lista, com 32% do arrecadado, seguido por energia elétrica (30%), mineração e siderurgia (16%), petróleo e gás (7%) e petroquímico (4%).

Teles
A grande maioria das teles privatizadas no leilão de 98 recorreu ao banco. Foram 47 empresas. A que recebeu mais foi a Brasil Telecom (aporte de US$ 1,4 bilhão). Desse grupo, a que tomou menos empréstimos foi a Tele Norte Celular (módicos US$ 3.830).
O ano em que o BNDES colocou mais recursos nas empresas desestatizadas foi 2000, quando saíram dos cofres do banco US$ 3,714 bilhões. Naquele ano, a União arrecadou US$ 10,2 bilhões com privatizações.
O único ano em que saiu mais dinheiro do cofre do banco do que foi arrecadado com desestatizações foi 2002, coincidentemente um ano de eleição presidencial. Saíram do BNDES US$ 3,714 bilhões, contra US$ 2,2 bilhões obtidos em privatizações.
O BNDES não informa quanto já recebeu das empresas privatizadas às quais emprestou os US$ 15,6 bilhões. Alega que essas informações são protegidas por sigilo bancário.
Os dados obtidos pela Folha constam de relatório do próprio BNDES. Contém 110 páginas. Traz o valor dos contratos firmados com cada uma das 101 empresas. O documento faz a conversão dos valores de real para dólar. Utilizou-se o câmbio oficial do dia da negociação.


Colaborou Pedro Soares, da Sucursal do Rio

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