São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE


O ambiente pastoso da "pax luliana"


Crise desperta atores sociais do sono causado pela concórdia luliana, mas muita gente não parece saber de que lado está


FHC DIZIA , em tom de troça, que a esquerda e o PT não combatiam o capital, mas o governo. Se a piada fosse levada a sério, num governo do PT o conflito político-social aberto tenderia a zero. Era só piada? A celeuma detonada pelo ministro do Trabalho revela alguns nós do conflito de fato amarrado no ambiente pastoso da "pax luliana".
O ministro criticou demissões e empresários, os quais se revoltaram, reafirmaram demissões, jornadas e salários menores e ainda repuseram na mesa o fim da CLT, ora já em curso, comida pelas bordas. Enquanto isso, sindicatos parecem desnorteados. A crise assim desperta os contendores da disputa político-social, mas eles parecem não saber muito bem de que lado do ringue estão.
A ascensão final do lulismo, que sugou e embalsamou o petismo, provocou uma radicalização por assim dizer simbólica. Lula e o conjunto de sua obra são detestados por uma minoria, minoria porém muita vez "orgânica", entre eles a direita que agora ousa dizer o seu nome, embora esse partido direitista ainda viva mais restrito ao mundo das palavras. Mas, afora essa minoria, o resto é uma mistura avacalhada.
Note-se que a grande empresa ou seus órgãos de classe são pela "responsabilidade social". Quando mais políticos, constituem uma ala do partido desenvolvimentista. Este é uma colcha de retalhos mal costurada de industriais paulistas (e seus tentáculos no resto do país), economistas "heterodoxos", da cúpula petista no governo etc. Batem-se com o BC e, em parte, com os bancos.
A oposição política, em suma partidos fora do poder federal, limita-se a esperar uma oportunidade de ir à jugular de Lula a fim de ganhar a eleição. Não entra no debate público, não tem projeto político ou nacional, vota populismos com o governo e tira casquinhas. Nada mais. A Casa das Garças, instituto de pesquisa de economistas liberais, muitos tucanos e financistas, é um partido mais relevante e infinitamente mais inteligente que PSDB e DEM.
O que restou da oposição "popular"? De petismo, centrais sindicais, "movimentos sociais", MST, ONGs? Cumpriram a profecia debochada de FHC. Encaixaram-se no Estado ou são por ele manipulados, caso de centrais sindicais (CUT, Força, tradicionalmente pelega etc.). O MST ora faz só chacrinhas ocasionais, manietado pela adesão a Lula e algo esvaziado pelo efeito das bolsas sociais. ONGs e "movimentos sociais", que sempre tenderam à despolitização, negociam seus pleitos diretamente com burocratas lulianos, vários deles ex-líderes "sociais".
Os sindicatos perderam força e coesão com a abertura econômica e a desconcentração industrial, faces da mesma moeda. De resto, as centrais sindicais se fragmentaram e parte delas está em sintonia com o governo e/ou aceita o desmonte da lei trabalhista (que demanda reforma, não desmonte). No fim das contas, é como se "trabalho e capital" tivessem aparado arestas no "Conselhão" de Lula, o que não é possível além da ideologia, mas ocorre politicamente, ao menos até agora.
A crise começa a chegar nesse ambiente pastoso, em que identidades políticas e sociais se derreteram no cadinho do "Conselhão", não exatamente lá, mas no "Conselhão" como símbolo da "pax luliana".

vinit@uol.com.br


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