São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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Entrevista

Crise pode trazer juro real para 3,5%, diz ex-BC

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil poderia pegar uma carona na atual crise para ter, finalmente, "juros civilizados", com taxa real (descontada a inflação) entre 3,5% e 4,5% ao ano, segundo Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do BC, hoje na Mauá Investimentos. Para ele, o momento de contração possibilita cortes agressivos nos juros, que são inviáveis em períodos expansionistas. Isso porque, devido ao crescimento desordenado e aos gargalos do país, a expansão da economia sempre esbarrava na inflação. Passada a crise, as taxas não precisariam voltar ao patamar anterior, como aconteceu no México, após a quebra em 1995.

 

FOLHA - O pior já passou?
LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO - O sistema financeiro mundial quebrou. E foi resgatado pelos governos. Os bancos ficaram muito debilitados, o mercado de crédito fechou e as empresas passaram a ter enormes problemas de rolagem [de dívida]. Os governos tiveram de intervir. Senão, tinha uma parada tão forte e rápida do crédito que até uma empresa saudável poderia ter problema de liquidez e quebrar. O epicentro disso já passou, mas o crédito está escasso, com custo alto e prazo curto. Se o custo de capital das empresas continua tão alto, não dá para dizer que a Bolsa no Brasil -e no mundo- já esteja tão barata. Com esse custo de capital, o lucro das empresas cai muito.

FOLHA - O que o Copom fará?
FIGUEIREDO - Vai cortar os juros. Nosso número é [corte] entre 0,75 ponto e 1 ponto. É uma resposta apropriada à queda da atividade recente e a uma inflação benigna. Mas também não é momento de aventura. O BC deve dar um sinal forte ao mercado, mas adequado. Porque, daqui um mês e meio, vai ter de olhar os dados novamente.

FOLHA - É hora de o Copom voltar a ter reuniões mensais?
FIGUEIREDO - Não achei apropriado quando foi mudado para um mês e meio. No Brasil, as coisas acontecem muito rapidamente. Se a gente tivesse uma taxa muito mais razoável, até poderia ser.

FOLHA - A política de metas de inflação também deve mudar?
FIGUEIREDO - O sistema de metas de inflação tem funcionado bem, mas também tem que evoluir. Não deveria ser mais [meta para] o ano calendário. Pode-se pensar sempre em [meta para] 12 meses [aferida mensalmente]. A gente já tem um grau de convívio com o sistema suficiente para dar esse passo. Daí, pode-se inclusive reduzir o intervalo das bandas.

FOLHA - Quando o Brasil terá uma taxa de juros civilizada?
FIGUEIREDO - Vários países acabaram por conseguir convergir a sua taxa de juros a um padrão internacional em momentos como o que a gente está vivendo. Quando a economia se expandia demais, não era o momento propício -o crédito crescia 35% ao ano, e o investimento, 20%. Então, tinha de ter uma política monetária mais apertada. Quando passar [a crise] e voltar para uma coisa mais razoável, você poderá ter um padrão de juro real muito mais baixo. Se falava de algo entre 6% e 7%, vai poder falar agora em 3,5%, 4%, 4,5% de juros reais. Claro que é um processo gradual, que vai sendo testado. Isso aconteceu no México. No Brasil, não será diferente.

FOLHA - Quais os riscos?
FIGUEIREDO - O que não podemos fazer é jogar fora todo o esforço que já foi feito. Qualquer tentativa de pegar um atalho vai custar caro. O atalho é principalmente [descontrole] fiscal, mas este país aprendeu que ter responsabilidade fiscal traz muitos benefícios, principalmente para os mais dependentes de a economia ir bem, que é a camada mais pobre.

FOLHA - Os bancos estão preparados para isso?
FIGUEIREDO - Poucos países do mundo têm o sistema financeiro tão grande e tão bem preparado como o Brasil. Nos últimos anos, os bancos mudaram muito a sua fonte de receita para crédito e mercado de capitais.

FOLHA - A crise machucou a indústria de fundos?
FIGUEIREDO - Muita gente entrou nos fundos multimercado [que investem em diversos ativos] porque eles aparentaram um risco muito menor do que tinham. Houve um certo exagero. Mesmo assim, os fundos conseguiram manter o capital dos investidores. Comparada a qualquer outro país, a performance aqui foi muito boa. Na média os fundos renderam aqui 3% [em 2008], contra o CDI, que foi de 12%. No mundo, a média de perdas foi de 23%, contra juro de 3%. Não tivemos problema de não conseguir pagar um saque, que aconteceu em outros lugares. A indústria de fundos levou uma paulada, mas, como não sofreu trauma maior, também é natural que os investimentos acabem voltando rapidamente.


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