|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Entrevista
Crise pode trazer juro real para 3,5%, diz ex-BC
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil poderia pegar
uma carona na atual crise para ter, finalmente, "juros civilizados", com taxa real
(descontada a inflação) entre
3,5% e 4,5% ao ano, segundo
Luiz Fernando Figueiredo,
ex-diretor de Política Monetária do BC, hoje na Mauá Investimentos. Para ele, o momento de contração possibilita cortes agressivos nos juros, que são inviáveis em períodos expansionistas. Isso
porque, devido ao crescimento desordenado e aos
gargalos do país, a expansão
da economia sempre esbarrava na inflação. Passada a
crise, as taxas não precisariam voltar ao patamar anterior, como aconteceu no México, após a quebra em 1995.
FOLHA - O pior já passou?
LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO - O
sistema financeiro mundial
quebrou. E foi resgatado pelos governos. Os bancos ficaram muito debilitados, o
mercado de crédito fechou e
as empresas passaram a ter
enormes problemas de rolagem [de dívida]. Os governos
tiveram de intervir. Senão,
tinha uma parada tão forte e
rápida do crédito que até
uma empresa saudável poderia ter problema de liquidez e
quebrar. O epicentro disso já
passou, mas o crédito está escasso, com custo alto e prazo
curto. Se o custo de capital
das empresas continua tão
alto, não dá para dizer que a
Bolsa no Brasil -e no mundo- já esteja tão barata. Com
esse custo de capital, o lucro
das empresas cai muito.
FOLHA - O que o Copom fará?
FIGUEIREDO - Vai cortar os juros. Nosso número é [corte]
entre 0,75 ponto e 1 ponto. É
uma resposta apropriada à
queda da atividade recente e
a uma inflação benigna. Mas
também não é momento de
aventura. O BC deve dar um
sinal forte ao mercado, mas
adequado. Porque, daqui um
mês e meio, vai ter de olhar
os dados novamente.
FOLHA - É hora de o Copom voltar a ter reuniões mensais?
FIGUEIREDO - Não achei apropriado quando foi mudado
para um mês e meio. No Brasil, as coisas acontecem muito rapidamente. Se a gente tivesse uma taxa muito mais
razoável, até poderia ser.
FOLHA - A política de metas de
inflação também deve mudar?
FIGUEIREDO - O sistema de
metas de inflação tem funcionado bem, mas também
tem que evoluir. Não deveria
ser mais [meta para] o ano
calendário. Pode-se pensar
sempre em [meta para] 12
meses [aferida mensalmente]. A gente já tem um grau
de convívio com o sistema
suficiente para dar esse passo. Daí, pode-se inclusive reduzir o intervalo das bandas.
FOLHA - Quando o Brasil terá
uma taxa de juros civilizada?
FIGUEIREDO - Vários países
acabaram por conseguir convergir a sua taxa de juros a
um padrão internacional em
momentos como o que a gente está vivendo. Quando a
economia se expandia demais, não era o momento
propício -o crédito crescia
35% ao ano, e o investimento, 20%. Então, tinha de ter
uma política monetária mais
apertada. Quando passar [a
crise] e voltar para uma coisa
mais razoável, você poderá
ter um padrão de juro real
muito mais baixo. Se falava
de algo entre 6% e 7%, vai poder falar agora em 3,5%, 4%,
4,5% de juros reais. Claro
que é um processo gradual,
que vai sendo testado. Isso
aconteceu no México. No
Brasil, não será diferente.
FOLHA - Quais os riscos?
FIGUEIREDO - O que não podemos fazer é jogar fora todo o
esforço que já foi feito. Qualquer tentativa de pegar um
atalho vai custar caro. O atalho é principalmente [descontrole] fiscal, mas este país
aprendeu que ter responsabilidade fiscal traz muitos
benefícios, principalmente
para os mais dependentes de
a economia ir bem, que é a
camada mais pobre.
FOLHA - Os bancos estão preparados para isso?
FIGUEIREDO - Poucos países
do mundo têm o sistema financeiro tão grande e tão
bem preparado como o Brasil. Nos últimos anos, os bancos mudaram muito a sua
fonte de receita para crédito
e mercado de capitais.
FOLHA - A crise machucou a indústria de fundos?
FIGUEIREDO - Muita gente entrou nos fundos multimercado [que investem em diversos ativos] porque eles aparentaram um risco muito
menor do que tinham. Houve um certo exagero. Mesmo
assim, os fundos conseguiram manter o capital dos investidores. Comparada a
qualquer outro país, a performance aqui foi muito boa.
Na média os fundos renderam aqui 3% [em 2008], contra o CDI, que foi de 12%. No
mundo, a média de perdas foi
de 23%, contra juro de 3%.
Não tivemos problema de
não conseguir pagar um saque, que aconteceu em outros lugares. A indústria de
fundos levou uma paulada,
mas, como não sofreu trauma maior, também é natural
que os investimentos acabem voltando rapidamente.
Texto Anterior: Desemprego pressiona decisão do Copom Próximo Texto: Artigo: O futuro do futuro no choque global Índice
|