São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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ARTIGO

O futuro do futuro no choque global

GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

AS ARMAS de destruição em massa colocadas à solta nos territórios virtuais da especulação financeira difundiram-se viralmente nas redes digitais que conectam as tesourarias de empresas, instituições financeiras e famílias de alta renda. Nessa economia de jogo, o mercado deixa de ser um domínio da realidade material para se tornar compreensível apenas como jogo de expectativas, teia de interpretações de ícones, sinais, indícios do que seria o futuro.
Avaliando os modelos usuais de análise de mercados e da política econômica, o Prêmio Nobel de Economia James Tobin (1918-2002) criticou os modelos que fazem da ação econômica uma ciranda de "expectativas racionais" que levariam cada indivíduo a descontar, nos seus cálculos privados, toda e qualquer ação governamental, que assim se tornaria inócua. O governo vai gastar mais para estimular a economia? Os agentes privados antecipam o aumento futuro dos impostos e, para fazer face a esse choque, começam a poupar mais. Ou seja, aumenta o gasto público, reduz-se o consumo privado e fica tudo na mesma. Não se trata de jogar no lixo os modelos e teorias clássicas, dizia Tobin, mas, sim, de entender que tais ferramentas funcionam de acordo com a relação entre fluxos e estoques. Os fluxos (oferta e demanda) normalmente circulam sem alterações profundas nos estoques de riqueza. Os choques, no entanto, típicos de grandes crises financeiras, causam a destruição de estoques de riqueza.
Na crise atual, o choque foi tão intenso que os governos dos países centrais, em especial nos Estados Unidos, abandonaram os ícones da política econômica responsável, ortodoxa, em favor de medidas de estímulo fiscal (mais gastos públicos, redução de impostos), monetário (redução de juros) e financeiro (socorro a instituições e a devedores asfixiados). Mas o Brasil não deve seguir esse exemplo literalmente.
No caso brasileiro, ao contrário dos Estados Unidos, não há bolha especulativa imobiliária para estourar, o crédito interno mal começou a crescer, o país reformou seus mecanismos de controle das contas públicas e as metas inflacionárias trouxeram transparência aos cálculos de empresas e de indivíduos.
Sem pressões inflacionárias, sem o benefício da demanda chinesa por commodities agrícolas, metais e alimentos, sem oferta de crédito e investimentos externos, é hora de recuperar o potencial brasileiro de substituição de importações, promover a ampliação das operações privadas de crédito imobiliário (como a securitização de recebíveis) e promover uma rápida e intensa redução dos juros, para dar sustentabilidade aos fluxos capazes de gerar novos estoques de riqueza. No passado recente, os juros altos acomodaram a necessidade de combater a inflação e, ao mesmo tempo, promover a mais espetacular acumulação de reservas internacionais da história brasileira. Mais que um fundo soberano, as reservas e a saúde financeira do Brasil podem agora ser usadas para mudar a política monetária, abrindo espaço para uma importante redução das taxas de juros. Nunca na história brasileira os riscos de um choque positivo de juros foram tão baixos. Um corte de pelo menos um ponto percentual na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) desta semana é desejável e viável.
Na área fiscal, o sinal relevante é aumentar a responsabilidade e evitar o casuísmo. No atual contexto da crise, tudo depende do reforço da confiança na responsabilidade fiscal acompanhada por uma decidida reformulação da política monetária, não porque há instituições financeiras em risco ou o consumidor brasileiro se endividou demais, mas porque a segurança monetária e cambial não pode mais depender da poupança externa -esse estoque evaporou.
Manter os juros altos num contexto de baixa fragilidade financeira e nas contas externas seria uma irresponsabilidade, especialmente se o governo insistir em "copiar" os Estados Unidos, promovendo o consumo pela via dos gastos públicos, das isenções fiscais desordenadas e dos apelos emocionais. O que é bom para os Estados Unidos pode não ser o ideal para o Brasil.
Uma forte redução dos juros no Brasil, mantida a responsabilidade fiscal, é o ícone que todos esperam para acreditar novamente que o nosso futuro tem futuro.

GILSON SCHWARTZ é professor de economia da informação na Universidade de São Paulo. Foi economista-chefe do BankBoston (gestão Henrique Meirelles) e assessor da presidência do BNDES (gestão Guido Mantega).

schwartz@usp.br


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