|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
O futuro do futuro no choque global
GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
AS ARMAS de destruição
em massa colocadas à
solta nos territórios virtuais da especulação financeira
difundiram-se viralmente nas
redes digitais que conectam as
tesourarias de empresas, instituições financeiras e famílias
de alta renda. Nessa economia
de jogo, o mercado deixa de ser
um domínio da realidade material para se tornar compreensível apenas como jogo de expectativas, teia de interpretações
de ícones, sinais, indícios do
que seria o futuro.
Avaliando os modelos usuais
de análise de mercados e da política econômica, o Prêmio Nobel de Economia James Tobin
(1918-2002) criticou os modelos que fazem da ação econômica uma ciranda de "expectativas racionais" que levariam cada indivíduo a descontar, nos
seus cálculos privados, toda e
qualquer ação governamental,
que assim se tornaria inócua.
O governo vai gastar mais para estimular a economia? Os
agentes privados antecipam o
aumento futuro dos impostos
e, para fazer face a esse choque,
começam a poupar mais. Ou seja, aumenta o gasto público, reduz-se o consumo privado e fica tudo na mesma.
Não se trata de jogar no lixo
os modelos e teorias clássicas,
dizia Tobin, mas, sim, de entender que tais ferramentas funcionam de acordo com a relação entre fluxos e estoques. Os
fluxos (oferta e demanda) normalmente circulam sem alterações profundas nos estoques de
riqueza. Os choques, no entanto, típicos de grandes crises financeiras, causam a destruição
de estoques de riqueza.
Na crise atual, o choque foi
tão intenso que os governos dos
países centrais, em especial nos
Estados Unidos, abandonaram
os ícones da política econômica
responsável, ortodoxa, em favor de medidas de estímulo fiscal (mais gastos públicos, redução de impostos), monetário
(redução de juros) e financeiro
(socorro a instituições e a devedores asfixiados). Mas o Brasil
não deve seguir esse exemplo
literalmente.
No caso brasileiro, ao contrário dos Estados Unidos, não há
bolha especulativa imobiliária
para estourar, o crédito interno
mal começou a crescer, o país
reformou seus mecanismos de
controle das contas públicas e
as metas inflacionárias trouxeram transparência aos cálculos
de empresas e de indivíduos.
Sem pressões inflacionárias,
sem o benefício da demanda
chinesa por commodities agrícolas, metais e alimentos, sem
oferta de crédito e investimentos externos, é hora de recuperar o potencial brasileiro de
substituição de importações,
promover a ampliação das operações privadas de crédito imobiliário (como a securitização
de recebíveis) e promover uma
rápida e intensa redução dos
juros, para dar sustentabilidade aos fluxos capazes de gerar
novos estoques de riqueza.
No passado recente, os juros
altos acomodaram a necessidade de combater a inflação e, ao
mesmo tempo, promover a
mais espetacular acumulação
de reservas internacionais da
história brasileira. Mais que
um fundo soberano, as reservas
e a saúde financeira do Brasil
podem agora ser usadas para
mudar a política monetária,
abrindo espaço para uma importante redução das taxas de
juros. Nunca na história brasileira os riscos de um choque
positivo de juros foram tão baixos. Um corte de pelo menos
um ponto percentual na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) desta semana
é desejável e viável.
Na área fiscal, o sinal relevante é aumentar a responsabilidade e evitar o casuísmo. No
atual contexto da crise, tudo
depende do reforço da confiança na responsabilidade fiscal
acompanhada por uma decidida reformulação da política
monetária, não porque há instituições financeiras em risco ou
o consumidor brasileiro se endividou demais, mas porque a
segurança monetária e cambial
não pode mais depender da
poupança externa -esse estoque evaporou.
Manter os juros altos num
contexto de baixa fragilidade financeira e nas contas externas
seria uma irresponsabilidade,
especialmente se o governo insistir em "copiar" os Estados
Unidos, promovendo o consumo pela via dos gastos públicos,
das isenções fiscais desordenadas e dos apelos emocionais. O
que é bom para os Estados Unidos pode não ser o ideal para o
Brasil.
Uma forte redução dos juros
no Brasil, mantida a responsabilidade fiscal, é o ícone que todos esperam para acreditar novamente que o nosso futuro
tem futuro.
GILSON SCHWARTZ é professor de economia
da informação na Universidade de São Paulo. Foi
economista-chefe do BankBoston (gestão Henrique Meirelles) e assessor da presidência do
BNDES (gestão Guido Mantega).
schwartz@usp.br
Texto Anterior: Entrevista: Crise pode trazer juro real para 3,5%, diz ex-BC Próximo Texto: Queda no consumo de gás põe em xeque acordo com a Bolívia Índice
|