São Paulo, segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

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Deficit externo é "herança maldita" de Lula

Depois de saldo favorável nas transações com o exterior de 2003 a 2007, rombo em 2010 deve atingir pior patamar da década

Presidente deixará para o sucessor o mesmo problema que criticou nos anos FHC; analistas divergem se deficit limita o crescimento ou não


SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com as famílias e o governo consumindo cada vez mais e poupando pouco, o Brasil elevou a sua dependência do capital externo para conseguir realizar os investimentos de que necessita. Isso significa que o dinheiro estrangeiro será ainda mais importante para o próximo presidente cobrir o saldo negativo nas contas externas e manter o país crescendo.
Depois de cinco anos com as transações com o resto do mundo fechando no azul, elas voltaram a ser deficitárias no fim de 2008. A situação se agravará neste último ano da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. A perspectiva para 2010 é, no mínimo, dobrar o rombo, repetindo o ritmo em 2011. Esse buraco precisa ser coberto por recursos que virão do exterior via empréstimos, investimentos produtivos e na Bolsa.
Segundo as projeções do Banco Central, o deficit externo -que consolida as compras e vendas de bens e serviços, pagamento de juros, viagens, doações e remessas de lucros- encerrará 2010 em US$ 40 bilhões (cerca de 2% do PIB), ante os US$ 22 bilhões (1,4% do PIB) estimados em 2009.
Enquanto isso, os analistas de mercado falam em deficit de até US$ 64 bilhões (acima de 3,3% do PIB). Para 2011, as estimativas do setor privado são de saldo negativo de até US$ 90 bilhões (4% do PIB).
Com isso, o Brasil retomará um nível de dependência do capital externo semelhante ao que vivia antes da gestão Lula e que foi tachado pela equipe do atual governo como uma "herança maldita".

Divisão
O aumento do deficit nas contas externas divide especialistas. Alguns afirmam que isso não será problema porque não faltarão investidores interessados em aplicar no Brasil e o dinheiro será usado para investimentos que garantirão mais crescimento econômico.
Outros, ao contrário, afirmam que a dependência externa será um limitador de crescimento no próximo governo e constituirá a "herança maldita" do governo Lula.
"Sem dúvida alguma, é um problema deste governo que ele deixará para o próximo", diz Reinaldo Gonçalves, professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para ele, o Brasil tem dois problemas estruturais graves: uma ineficiência sistêmica, traduzida em falta de competitividade que afeta as exportações, e também um enorme passivo externo, "fruto da internacionalização que leva a volumes elevados de remessas de lucros e dividendos para o exterior".
Com isso, diz, o Brasil está sempre sensível à conjuntura internacional. "A economia fica muito vulnerável, o que tem repercussão no crescimento e nas expectativas por causa do risco de volatilidade nas taxas de juros e de câmbio. O país continua patinando. A imprevisibilidade reduz os investimentos."
Cristiano Souza, economista do grupo Santander, não vê problema no deficit externo retomar patamares elevados. "Não é algo negativo porque o deficit está ligado a mais investimentos que vão sustentar o crescimento futuro."
Darwin Dib, economista do Itaú Unibanco, faz coro: "Se é para ter mais investimento, o país completará a escassa taxa de poupança doméstica com recursos externos. A ideia de que isso é ruim é do século 17".
Ele e Souza dizem que hoje o país tem um regime de câmbio flutuante que ajusta desequilíbrios. "Se o mundo ficar menos disposto a nos financiar, haverá um ajuste cambial, com desvalorização do real", diz Dib.
Já a alta na remessa de lucros e dividendos criticada por alguns, defende Dib, é reflexo da mudança de padrão do financiamento externo. "Antes, era focado em emissão de dívida, que gerava pagamento de juros; agora, temos investimentos estrangeiros diretos e em carteira. O custo disso é a remessa de lucros e dividendos."
Professor do Departamento Econômico da PUC-SP, Antônio Corrêa de Lacerda diz que em 2010/11 não deverá haver problema para financiar o deficit, mas, ainda assim, considera a situação ruim. "Mais pela rapidez da deterioração do que pelo tamanho do deficit externo." Para ele, o próximo presidente terá de atacar problemas estruturais que fazem com que remessas de lucro anulem ganhos com saldo comercial.
As exportações deverão superar as importações em US$ 15 bilhões neste ano, valor insuficiente para compensar os US$ 30 bilhões que deverão deixar o país devido aos lucros obtidos por empresas estrangeiras que atuam no país e remeterão os ganhos para suas matrizes.


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