São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 1998.



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ENTREVISTA
Um dos riscos para o país é o relaxamento na condução da política macroeconômica, diz Armínio Fraga
"O Brasil não precisa recorrer ao FMI"

Especial para a Folha

Para Armínio Fraga, uma das lições da crise na Ásia é que não se pode ter um déficit muito grande no balanço de pagamentos. E é importante saber como esse déficit está sendo financiado. A seguir, leia a sequência da entrevista concedida à Folha.
Folha - Qual a outra lição que se pode tirar da crise na Ásia?
Fraga
- A segunda lição é uma questão mais órfã na arquitetura de sistemas financeiros. Algumas coisas, a meu ver, estão claras, outras não. Um negócio bancário é muito difícil, porque você está trabalhando com o dinheiro dos outros e, no mundo inteiro, existe a percepção de que depósitos bancários são instrumentos financeiros seguros. Isso dá uma certa segurança ao banqueiro, e ele talvez corra riscos exagerados.
Mas o que fazer com esse animal que é tão difícil? O que se fala são as coisas tradicionais, como aumentar a transparência ou melhorar a supervisão. Eu não tenho dúvida de que banco privado é um animal difícil e banco do governo é impossível. A segunda lição diz respeito, ainda, à balança de pagamentos e, de novo, é uma lição que não é nova. Você não pode ter déficit muito elevado em conta corrente de balança de pagamentos. É difícil quantificar, pois não é só o tamanho do déficit que importa; o que também importa é como esse déficit está sendo financiado. Qual é o destino dos recursos? Se você está tomando dinheiro para investir, a chance de você ter problemas é menor. Embora nós tenhamos visto na Ásia que tomar dinheiro para investimentos também pode dar problema.
Folha - Como o sr. vê o sistema bancário brasileiro?
Fraga
- O sistema bancário brasileiro não é ruim. Porque vem de um processo de hiperinflação de muito risco. E quem sobreviveu no Brasil hoje, até por um processo "darwiniano", desenvolveu defesas técnicas, hábitos e culturas bancárias boas. O Brasil tem feito um bom trabalho nessa área, saneando seu setor financeiro e privatizando bancos do governo. Espero que não esqueçam o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e a Nossa Caixa.
Folha - As crises do Sudeste Asiático fragilizaram muito os bancos?
Fraga
- É preciso acompanhar como esse processo na Ásia vai evoluir. Não há dúvida de que uma crise como essa tem alguma repercussão para os bancos. Eu não acho que isso represente um risco ainda semelhante ao que foi a crise da dívida dos anos 80. As proporções são diferentes e os bancos estão mais bem capitalizados. Vão sofrer um pouco, mas eu não vejo esses números que estão aí concorrendo com os da crise de 80.
Folha - Li no "The Wall Street Journal" o argumento de um economista dizendo que a ajuda dos EUA ao México foi um mau precedente. Estimulou um certo descuido dos países hoje em crise e facilitou as concessões de créditos. Ficou a idéia de que, "qualquer coisa, o FMI socorre". O que o sr. acha?
Fraga
- Esse argumento é válido.
Folha - O que se pode esperar hoje do Brasil?
Fraga
- O que eu vejo hoje no Brasil é a possibilidade de mudar a cara do país, e isso é algo que me entusiasma. Ao mesmo tempo, vejo que é um processo que não chegou ainda ao fim. Um sonho de economista seria realmente ver esse processo ser conduzido até o fim e iniciar uma nova era de grande prosperidade para o Brasil. Nosso país merece isso. Eu cresci profissionalmente no caos e na mediocridade. Vejo hoje os ingredientes para que possamos mais adiante entrar em um período de grande crescimento e prosperidade. A possibilidade de que isso não ocorra gera uma certa ansiedade...
Folha - O que pode atrapalhar a era de grande prosperidade para o Brasil?
Fraga
- Problemas grandes no exterior, associados a um relaxamento na condução da política macroeconômica brasileira, em particular as políticas fiscal e monetária. Essa seria a combinação perigosa para o Brasil. Eu acho que o Brasil hoje controla sua trajetória, talvez não a de curtíssimo prazo, por causa desses fatores externos todos... Mas a médio e longo prazos o destino do Brasil está em suas próprias mãos. Cabe ao governo tocar esses projetos todos e pensar grande, pensar no país.
Folha - Seria mais confortável para o Brasil um empréstimo do FMI, para atravessar 1998 com mais segurança?
Fraga
- Hoje não é necessário ir ao FMI. Se você não está doente, você não deve ir ao médico. O Brasil está fazendo ginástica e não está precisando ir ao médico. Eu não tenho dúvida de que, se fosse necessário, o Brasil poderia ir ao FMI e, com o programa que tem, sacar uma linha de crédito para ajudar num momento de dificuldade.
Folha - Se o sr. fosse convidado, aceitaria participar do governo?
Fraga
- Eu já fui uma vez... larguei tudo aqui e fui! Não posso dizer que não iria outra vez. Ao contrário, acho que foi uma honra ter participado.
Folha - O sr. está preocupado com uma eventual deflação?
Fraga
- A deflação é muito temida, porque ela faz com que, de certa forma, o dinheiro saia de circulação. Ela, em geral, coincide com processos recessivos muito graves. Mas não custa destacar que se teve, durante a época do padrão ouro, períodos longos de deflação com prosperidade. Não é uma coisa absolutamente trivial dizer que deflação é o fim do mundo. Eu não acredito que vá se ter deflação. Essa deflação com "D" maiúsculo, que se discute hoje aqui nos EUA ou na Europa. Porque os bancos centrais em geral vão atuar para compensar isso, com políticas monetárias mais frouxas.
Folha - E o Japão?
Fraga
- O Japão é um país que teve outros problemas, com uma crise financeira de deflação que incluiu preços de ativos. O Japão viveu e, de certa forma, foi o precursor dessa crise asiática de muita alavancagem e muita dívida. Isso gerou uma bolha de preços de ativos... Você teve uma deflação não só de preços de bens de consumo, de investimentos, mas também de ativos. É um pouco o que se está vendo no resto da Ásia agora. Mas não vejo, no mundo como um todo, a deflação com "D" maiúsculo, que seria algo associado a uma grande recessão.
Folha - Qual a sua visão sobre o momento econômico que estamos vivendo?
Fraga
- Eu não tenho dúvidas de que nós estamos vivendo um momento bom na economia mundial. Uma época que guarda algum paralelo com o momento do padrão ouro (1870 a 1914), que foi de grande prosperidade, antes da Primeira Guerra Mundial...
Folha - Qual o paralelo entre o nosso momento e o momento padrão ouro?
Fraga
- A grande prosperidade, com grandes inovações tecnológicas e grande eficiência no uso do capital. As economias eram abertas e sob o guarda-chuva do padrão ouro o capital correu atrás de melhores oportunidades. Foi uma época de grandes resultados. Acho que hoje, em parte, estamos vivendo isso outra vez. Não acredito que venhamos a passar por um processo deflacionário recessivo.
Folha - Em que momento do ciclo econômico o senhor acha que o Brasil e os EUA estão?
Fraga
- O Brasil é um país que está saindo de uma crise, então é difícil fazer uma análise. Nos EUA, a suspeita é que se está aproximando o final de um ciclo de crescimento, que pode ser interrompido por uma desaceleração.



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