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ENTREVISTA
Um dos riscos para o país é o relaxamento na condução da política macroeconômica, diz Armínio Fraga
"O Brasil não precisa recorrer ao FMI"
Especial para a Folha
Para Armínio Fraga, uma das lições da crise na Ásia é que não se
pode ter um déficit muito grande
no balanço de pagamentos. E é importante saber como esse déficit
está sendo financiado. A seguir,
leia a sequência da entrevista concedida à Folha.
Folha - Qual a outra lição que se
pode tirar da crise na Ásia?
Fraga - A segunda lição é uma
questão mais órfã na arquitetura
de sistemas financeiros. Algumas
coisas, a meu ver, estão claras, outras não. Um negócio bancário é
muito difícil, porque você está trabalhando com o dinheiro dos outros e, no mundo inteiro, existe a
percepção de que depósitos bancários são instrumentos financeiros
seguros. Isso dá uma certa segurança ao banqueiro, e ele talvez
corra riscos exagerados.
Mas o que fazer com esse animal
que é tão difícil? O que se fala são as
coisas tradicionais, como aumentar a transparência ou melhorar a
supervisão. Eu não tenho dúvida
de que banco privado é um animal
difícil e banco do governo é impossível. A segunda lição diz respeito,
ainda, à balança de pagamentos e,
de novo, é uma lição que não é nova. Você não pode ter déficit muito
elevado em conta corrente de balança de pagamentos. É difícil
quantificar, pois não é só o tamanho do déficit que importa; o que
também importa é como esse déficit está sendo financiado. Qual é o
destino dos recursos? Se você está
tomando dinheiro para investir, a
chance de você ter problemas é
menor. Embora nós tenhamos visto na Ásia que tomar dinheiro para
investimentos também pode dar
problema.
Folha - Como o sr. vê o sistema
bancário brasileiro?
Fraga - O sistema bancário brasileiro não é ruim. Porque vem de
um processo de hiperinflação de
muito risco. E quem sobreviveu no
Brasil hoje, até por um processo
"darwiniano", desenvolveu defesas técnicas, hábitos e culturas
bancárias boas. O Brasil tem feito
um bom trabalho nessa área, saneando seu setor financeiro e privatizando bancos do governo. Espero que não esqueçam o Banco
do Brasil, a Caixa Econômica e a
Nossa Caixa.
Folha - As crises do Sudeste Asiático fragilizaram muito os bancos?
Fraga - É preciso acompanhar
como esse processo na Ásia vai
evoluir. Não há dúvida de que uma
crise como essa tem alguma repercussão para os bancos. Eu não
acho que isso represente um risco
ainda semelhante ao que foi a crise
da dívida dos anos 80. As proporções são diferentes e os bancos estão mais bem capitalizados. Vão
sofrer um pouco, mas eu não vejo
esses números que estão aí concorrendo com os da crise de 80.
Folha - Li no "The Wall Street
Journal" o argumento de um economista dizendo que a ajuda dos
EUA ao México foi um mau precedente. Estimulou um certo descuido dos países hoje em crise e facilitou as concessões de créditos. Ficou a idéia de que, "qualquer coisa, o FMI socorre". O que o sr.
acha?
Fraga - Esse argumento é válido.
Folha - O que se pode esperar
hoje do Brasil?
Fraga - O que eu vejo hoje no
Brasil é a possibilidade de mudar a
cara do país, e isso é algo que me
entusiasma. Ao mesmo tempo, vejo que é um processo que não chegou ainda ao fim. Um sonho de
economista seria realmente ver esse processo ser conduzido até o
fim e iniciar uma nova era de grande prosperidade para o Brasil.
Nosso país merece isso. Eu cresci
profissionalmente no caos e na
mediocridade. Vejo hoje os ingredientes para que possamos mais
adiante entrar em um período de
grande crescimento e prosperidade. A possibilidade de que isso não
ocorra gera uma certa ansiedade...
Folha - O que pode atrapalhar a
era de grande prosperidade para o
Brasil?
Fraga - Problemas grandes no
exterior, associados a um relaxamento na condução da política
macroeconômica brasileira, em
particular as políticas fiscal e monetária. Essa seria a combinação
perigosa para o Brasil. Eu acho que
o Brasil hoje controla sua trajetória, talvez não a de curtíssimo prazo, por causa desses fatores externos todos... Mas a médio e longo
prazos o destino do Brasil está em
suas próprias mãos. Cabe ao governo tocar esses projetos todos e
pensar grande, pensar no país.
Folha - Seria mais confortável
para o Brasil um empréstimo do
FMI, para atravessar 1998 com
mais segurança?
Fraga - Hoje não é necessário ir
ao FMI. Se você não está doente,
você não deve ir ao médico. O Brasil está fazendo ginástica e não está
precisando ir ao médico. Eu não
tenho dúvida de que, se fosse necessário, o Brasil poderia ir ao FMI
e, com o programa que tem, sacar
uma linha de crédito para ajudar
num momento de dificuldade.
Folha - Se o sr. fosse convidado,
aceitaria participar do governo?
Fraga - Eu já fui uma vez... larguei tudo aqui e fui! Não posso dizer que não iria outra vez. Ao contrário, acho que foi uma honra ter
participado.
Folha - O sr. está preocupado
com uma eventual deflação?
Fraga - A deflação é muito temida, porque ela faz com que, de
certa forma, o dinheiro saia de circulação. Ela, em geral, coincide
com processos recessivos muito
graves. Mas não custa destacar que
se teve, durante a época do padrão
ouro, períodos longos de deflação
com prosperidade. Não é uma coisa absolutamente trivial dizer que
deflação é o fim do mundo. Eu não
acredito que vá se ter deflação. Essa deflação com "D" maiúsculo,
que se discute hoje aqui nos EUA
ou na Europa. Porque os bancos
centrais em geral vão atuar para
compensar isso, com políticas monetárias mais frouxas.
Folha - E o Japão?
Fraga - O Japão é um país que
teve outros problemas, com uma
crise financeira de deflação que incluiu preços de ativos. O Japão viveu e, de certa forma, foi o precursor dessa crise asiática de muita
alavancagem e muita dívida. Isso
gerou uma bolha de preços de ativos... Você teve uma deflação não
só de preços de bens de consumo,
de investimentos, mas também de
ativos. É um pouco o que se está
vendo no resto da Ásia agora. Mas
não vejo, no mundo como um todo, a deflação com "D" maiúsculo, que seria algo associado a uma
grande recessão.
Folha - Qual a sua visão sobre o
momento econômico que estamos
vivendo?
Fraga - Eu não tenho dúvidas
de que nós estamos vivendo um
momento bom na economia mundial. Uma época que guarda algum
paralelo com o momento do padrão ouro (1870 a 1914), que foi de
grande prosperidade, antes da Primeira Guerra Mundial...
Folha - Qual o paralelo entre o
nosso momento e o momento padrão ouro?
Fraga - A grande prosperidade,
com grandes inovações tecnológicas e grande eficiência no uso do
capital. As economias eram abertas e sob o guarda-chuva do padrão ouro o capital correu atrás de
melhores oportunidades. Foi uma
época de grandes resultados. Acho
que hoje, em parte, estamos vivendo isso outra vez. Não acredito que
venhamos a passar por um processo deflacionário recessivo.
Folha - Em que momento do ciclo
econômico o senhor acha que o
Brasil e os EUA estão?
Fraga - O Brasil é um país que
está saindo de uma crise, então é
difícil fazer uma análise. Nos EUA, a suspeita é que se
está aproximando o final de um ciclo de crescimento, que pode ser
interrompido por uma desaceleração.
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