São Paulo, segunda, 18 de janeiro de 1999

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ESPECULAÇÃO
Ganho com títulos brasileiros no exterior é alto por causa do deságio, afastando investidores de trazer dólares para o país
Dívidas dificultam queda dos juros

FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília

Se depender das cotações dos títulos brasileiros no exterior, o governo federal terá dificuldades para baixar os juros internos no país.
Apesar da alta das Bolsas de Valores na sexta-feira, os papéis de empresas brasileiras no exterior continuaram a apresentar cotação abaixo do nível do final de 98 -e muito mais abaixo do que há um ano, em dezembro de 97, conforme mostra a tabela.
Quando a cotação dos títulos é depreciada no mercado secundário, isso resulta num ganho muito grande para quem investe nesses papéis -considerando que os devedores honrarão as dívidas.
Como o ganho sobre títulos brasileiros está grande no exterior, isso atrai supostos interessados em assumir algum risco relacionado ao Brasil. É mais fácil assumir o risco lá fora do que aqui no país.
Além disso, agora os especuladores terão um risco a mais se trouxerem dinheiro para o Brasil e transformá-lo em reais: podem perder na hora de sair, pois a variação do real passou a ser imprevisível.
Trazer dólares para o Brasil e ganhar especulando no mercado financeiro só será vantagem quando as taxas de juros estiverem muito mais altas aqui do que as pagas por papéis brasileiros no exterior.
No momento, vale mais a pena para os especuladores ficar lá fora. Se os juros caírem, a vantagem aumenta por causa do retorno oferecido pelos títulos do país emitidos no exterior. O atual ganho maior com aplicações em títulos brasileiros no exterior está ocorrendo porque o investidor compra o papel com deságio, mas ganha os juros e o principal pelo valor de face.
Por exemplo, a Sharp do Brasil tem uma dívida de US$ 120 milhões que vence em 30 de outubro de 2000, pagando 9,625% ao ano de juros. Era possível comprar esse papel por apenas 42% do valor de face na última sexta-feira.
Com todo esse deságio, o papel da Sharp rende para o seu comprador um retorno de 72,08% no ano. Esse ganho é chamado, no jargão do mercado, de "yield" (pronuncia-se "i-ild"). Além disso, se comparado a um título do Tesouro dos EUA com mesmo prazo de vencimento, o papel da Sharp está pagando 67,45 pontos percentuais a mais por ano -por causa do deságio no mercado secundário.
Essa diferença sobre os títulos dos EUA é chamada de "spread" (pronuncia-se "spréd"). O "spread" é calculado em milésimos de pontos básicos. O "spread" da Sharp é de 6.745 pontos.
A situação do Brasil é muito menos confortável do que a do México e a da Argentina. A tabela publicada hoje pela Folha traz a cotação de 30 papéis brasileiros privados e públicos. Desses, 26 títulos têm "spread" acima de 1.000 pontos.
Na sexta-feira passada, a Merrill Lynch cotou 50 papéis da Argentina e 69 mexicanos.
No caso da Argentina, dos 50 títulos cotados, apenas 17 têm "spreads" acima de 1.000 pontos. No México, de 69 papéis, 14 apresentaram "spreads" superiores a 1.000 pontos. No caso dos títulos soberanos dos três países, a situação do Brasil também é ruim.
O título de 30 anos do governo do Brasil que vence em 2027 está com um "spread" de 1.116 pontos. O da Argentina, com vencimento na mesma data, paga um "spread" de 677 pontos. O do México, que vence em 2026, foi cotado com "spread" de 504 pontos.
Álvaro Simões, diretor do Banco Credit Agricole Indosuez, acha que os "spreads" altos funcionam como um obstáculo para a queda dos juros, mas não são o único problema. "As votações do ajuste fiscal são fundamentais para que o clima seja mais favorável", diz ele.
Para Jair Ribeiro Neto, diretor-executivo do Banco Patrimônio, investidores especulativos que aplicavam em renda fixa "já foram embora". Por isso, a queda dos juros não teria um efeito imediato de expelir do país quem procura ganho alto. Mas afastaria quem desejasse entrar.



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