|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AUTOMÓVEIS
Montadoras, no vermelho, não podem absorver alta de
custos com a desvalorização, diz presidente da Volkswagen
Preço de carro deve subir, diz Demel
ARTHUR PEREIRA FILHO
da Reportagem Local
O maior risco que o Brasil corre
com a desvalorização da moeda é a
volta de índices altos de inflação.
Para evitar essa ameaça é preciso
acelerar a implantação das reformas estruturais. Se isso não ocorrer, o país pode enfrentar novas
turbulências.
A avaliação é de Herbert Demel,
45, presidente da Volkswagen do
Brasil. "A pergunta-chave agora é
como evitar uma inflação maior."
Segundo ele, o impacto da desvalorização sobre os preços dos carros
será imediato.
Nascido em Viena, Áustria, e formado em engenharia mecânica,
Demel está no comando da filial
brasileira do grupo alemão desde
maio de 97. Diz que a desvalorização do real não foi uma surpresa,
mas achava que iria "ocorrer mais
tarde". O real mais barato, afirma,
tem um lado bom: pode aumentar
a competitividade internacional
dos produtos brasileiros.
Em meio à crise, a Volkswagen
inaugura hoje a fábrica de São José
dos Pinhais, no Paraná, onde estão
sendo investidos US$ 750 milhões
para produzir os modelos Audi A3
e Golf. Demel disse que os investimentos previstos para o Brasil até
2002 estão mantidos.
Em um português fluente, apesar
de estar há menos de dois anos no
país, o presidente da Volkswagen
falou à Folha durante uma hora na
sexta-feira à noite, na sede administrativa da empresa, em São Paulo. A seguir, trechos da entrevista.
Folha - A Volkswagen inaugura a
sua nova fábrica, no Paraná, em
um momento de turbulência. As
recentes mudanças na política
cambial podem alterar os planos
de produção da empresa?
Herbert Demel - A situação é turbulenta, mas não vai alterar nada .
A fábrica está pronta. O que pode
ser alterado é a demanda. Mas hoje
não dá para prever o que essa turbulência vai fazer com o mercado
nacional e internacional. Nós sabemos que no Brasil existem riscos
de turbulência, mas nós não investimos para hoje ou amanhã, mas
para o longo prazo.
Folha - Como o sr. avalia a decisão do governo de permitir a desvalorização do real?
Demel - Todos sabiam que a
moeda estava sobrevalorizada. O
governo tentou desvalorizar o real
em etapas e preservar a estabilidade. Mas, por causa das influências
internas e externas, não conseguiu
segurar mais. As consequências
dessa decisão no longo prazo são
difíceis de prever. Acho que há
boas chances de que a situação se
acalme de novo. A pergunta-chave
vai ser como evitar uma inflação
maior. É preciso algumas mudanças estruturais para evitar isso. Algumas já foram tomadas. Outras
estão previstas. Isso precisa acontecer. E se houver uma demora
muito grande, o risco de novas turbulências é mais alto.
Folha - A maior preocupação no
momento, na sua opinião, é uma
eventual volta da inflação?
Demel - O Brasil vem de uma longa história de alta inflação, e com
certeza essa não foi uma história
brilhante. O país conseguiu se estabilizar, mas não conseguiu percorrer todo o caminho que queria.
Folha - Como o sr. acha que é
possível evitar a volta da inflação?
Demel - As reformas são fundamentais. É preciso distribuir a carga sobre número maior de ombros. O governo sabe que existe
um grande número de pessoas e
empresas que não pagam impostos. Os impostos são elevados, porque só a metade está pagando.
Folha - A mudança da política
cambial foi surpresa para o sr.?
Demel - Nós fizemos projeções
que consideravam uma desvalorização maior. O risco existia. Por isso as medidas não chegam como
surpresa para a Volkswagen. Só
que acreditávamos que, se a desvalorização viesse, viria mais tarde.
Folha - A Volkswagen mantém
os planos de investimento?
Demel - Hoje estão mantidos.
Entre 97 e 2002, vamos investir
US$ 3,5 bilhões. Em 99, a maior
parte será dos investimentos será
feita na fábrica do Paraná. Muitas
empresas estão em situação instável. Algumas estão mais doentes,
outras menos. Acho que estamos
entre as mais doentes. Não estamos ganhando o dinheiro necessário para recuperar investimentos.
Folha - As previsões de produção
e vendas da indústria para 99 podem mudar?
Demel - Até quarta-feira, nós dizíamos que o mercado seria parecido com o de 98. Pior no primeiro
semestre e melhor no segundo semestre. Mas não dá para prever e
planejar crises. Sem dúvida o cenário tem mais riscos. Mas tem mais
chances também.
Folha - Quais são os riscos e as
possibilidades que essa nova situação abre para as empresas?
Demel O maior risco é o aumento
da inflação. O desafio é preservar a
inflação em níveis baixos e isso não
depende apenas da indústria. As
chances estão ligadas ao aumento
da competitividade internacional,
mas para isso é preciso que não haja alta da inflação.
Folha - O sr. prevê aumento das
exportações?
Demel - Não dá para prever hoje
como serão as exportações das
montadoras brasileiras nos próximos meses. As perspectivas melhoraram em comparação com os
últimos meses de 98. Mas depende
da economia de outros países.
Folha - A desvalorização do real
vai provocar um aumento imediato no preço dos carros?
Demel - Os produtos importados
vão aumentar com certeza. As
montadoras não vão poder absorver esses custos. Se você pegar todos os fabricantes e fizer as contas
vai ver que a indústria está no vermelho. E quem está no vermelho
não pode assumir isso.
Folha - Qual será o efeito dessa
desvalorização da moeda brasileiro sobre o futuro do Mercosul?
DemelUma forte desvalorização
da moeda brasileira nos próximos
meses -por exemplo, de 25%-
vai provocar mudanças em outros
países também e, entre eles, os
nossos vizinhos do Mercosul.
Folha - O índice de nacionalização dos carros que a Volkswagen
vai produzir na nova fábrica do Paraná é pequeno. O Audi A3 terá
apenas 35% de peças nacionais no
início de fabricação. Isso não torna
o carro mais caro que o previsto?
Demel - Os carros produzidos
aqui ficarão mais caros de qualquer maneira, por causa do aumento dos impostos. É evidente
que quanto maior o conteúdo local, maior a vantagem. Vamos nacionalizar o que for viável. Com
certeza, as empresas vão procurar
usar cada vez mais componentes
nacionais. Esse é o momento certo
para iniciar a produção local de
carros em vez de importar.
Folha - Qual é a capacidade de
produção da fábrica de São José
dos Pinhais?
Demel - De 550 carros por dia.
Folha - Vai haver mercado para
essa produção?
Demel - Este ano não teremos dores de cabeça. A capacidade ociosa
em 99 no Paraná não será grande.
Pretendemos produzir em 99 entre
35 mil e 40 mil carros. Achamos
que esses carros serão todos vendidos. Mas prever hoje o comportamento do mercado o ano todo é
quase impossível.
Folha - A Volkswagen é líder de
mercado, mas tem perdido terreno
para os concorrentes nos últimos
anos. Isso vai se repetir em 99,
apesar dos novos lançamentos?
Demel - Na soma, as quatro grandes montadoras vão perder mercado para as novas fábricas. Nos próximos anos, o Brasil terá mais
montadoras do que qualquer outro país. Serão cerca de 15.
Folha - Há espaço para todas?
Demel - Para produzir e vender,
sim. Mas para usar toda a capacidade instalada, não. Todas as fábricas que investiram aqui pensaram no longo prazo. Com certeza
seríamos bem mais felizes se também no curto prazo o mercado fosse melhor. A maior parte das empresas começou a pensar a vir para
cá quando o crescimento do mercado era forte. Ninguém previu a
queda de 98. Ninguém previu o
que aconteceria com o real.
Folha - Nesse novo cenário, com
15 montadoras no país, qual a fatia
de mercado que uma empresa terá
de conquistar para garantir a liderança? A Volkswagen pode continuar com 30% das vendas?
DemelA Volkswagen vai perder
mais um pouco de terreno este
ano, como todas as outras grandes.
Mas vamos permanecer na liderança. Não podemos sonhar em
conservar 30% no longo prazo. Vamos agressivamente defender nossa posição, mas vamos perder
mercado. Em 99, a previsão é perder cerca de dois pontos percentuais em relação a 98.
Folha - O sr. acredita em aumento do desemprego este ano na indústria automobilística?
DemelVai depender do mercado.
Não posso falar por todas as montadoras, mas acredito que ainda
serão necessárias algumas adaptações durante este ano.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|