São Paulo, segunda, 18 de janeiro de 1999

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AUTOMÓVEIS
Montadoras, no vermelho, não podem absorver alta de custos com a desvalorização, diz presidente da Volkswagen
Preço de carro deve subir, diz Demel

ARTHUR PEREIRA FILHO
da Reportagem Local

O maior risco que o Brasil corre com a desvalorização da moeda é a volta de índices altos de inflação. Para evitar essa ameaça é preciso acelerar a implantação das reformas estruturais. Se isso não ocorrer, o país pode enfrentar novas turbulências.
A avaliação é de Herbert Demel, 45, presidente da Volkswagen do Brasil. "A pergunta-chave agora é como evitar uma inflação maior." Segundo ele, o impacto da desvalorização sobre os preços dos carros será imediato.
Nascido em Viena, Áustria, e formado em engenharia mecânica, Demel está no comando da filial brasileira do grupo alemão desde maio de 97. Diz que a desvalorização do real não foi uma surpresa, mas achava que iria "ocorrer mais tarde". O real mais barato, afirma, tem um lado bom: pode aumentar a competitividade internacional dos produtos brasileiros.
Em meio à crise, a Volkswagen inaugura hoje a fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná, onde estão sendo investidos US$ 750 milhões para produzir os modelos Audi A3 e Golf. Demel disse que os investimentos previstos para o Brasil até 2002 estão mantidos.
Em um português fluente, apesar de estar há menos de dois anos no país, o presidente da Volkswagen falou à Folha durante uma hora na sexta-feira à noite, na sede administrativa da empresa, em São Paulo. A seguir, trechos da entrevista.

Folha - A Volkswagen inaugura a sua nova fábrica, no Paraná, em um momento de turbulência. As recentes mudanças na política cambial podem alterar os planos de produção da empresa?
Herbert Demel
- A situação é turbulenta, mas não vai alterar nada . A fábrica está pronta. O que pode ser alterado é a demanda. Mas hoje não dá para prever o que essa turbulência vai fazer com o mercado nacional e internacional. Nós sabemos que no Brasil existem riscos de turbulência, mas nós não investimos para hoje ou amanhã, mas para o longo prazo.
Folha - Como o sr. avalia a decisão do governo de permitir a desvalorização do real?
Demel
- Todos sabiam que a moeda estava sobrevalorizada. O governo tentou desvalorizar o real em etapas e preservar a estabilidade. Mas, por causa das influências internas e externas, não conseguiu segurar mais. As consequências dessa decisão no longo prazo são difíceis de prever. Acho que há boas chances de que a situação se acalme de novo. A pergunta-chave vai ser como evitar uma inflação maior. É preciso algumas mudanças estruturais para evitar isso. Algumas já foram tomadas. Outras estão previstas. Isso precisa acontecer. E se houver uma demora muito grande, o risco de novas turbulências é mais alto.
Folha - A maior preocupação no momento, na sua opinião, é uma eventual volta da inflação?
Demel
- O Brasil vem de uma longa história de alta inflação, e com certeza essa não foi uma história brilhante. O país conseguiu se estabilizar, mas não conseguiu percorrer todo o caminho que queria.
Folha - Como o sr. acha que é possível evitar a volta da inflação?
Demel
- As reformas são fundamentais. É preciso distribuir a carga sobre número maior de ombros. O governo sabe que existe um grande número de pessoas e empresas que não pagam impostos. Os impostos são elevados, porque só a metade está pagando.
Folha - A mudança da política cambial foi surpresa para o sr.?
Demel
- Nós fizemos projeções que consideravam uma desvalorização maior. O risco existia. Por isso as medidas não chegam como surpresa para a Volkswagen. Só que acreditávamos que, se a desvalorização viesse, viria mais tarde.
Folha - A Volkswagen mantém os planos de investimento?
Demel
- Hoje estão mantidos. Entre 97 e 2002, vamos investir US$ 3,5 bilhões. Em 99, a maior parte será dos investimentos será feita na fábrica do Paraná. Muitas empresas estão em situação instável. Algumas estão mais doentes, outras menos. Acho que estamos entre as mais doentes. Não estamos ganhando o dinheiro necessário para recuperar investimentos.
Folha - As previsões de produção e vendas da indústria para 99 podem mudar?
Demel
- Até quarta-feira, nós dizíamos que o mercado seria parecido com o de 98. Pior no primeiro semestre e melhor no segundo semestre. Mas não dá para prever e planejar crises. Sem dúvida o cenário tem mais riscos. Mas tem mais chances também.
Folha - Quais são os riscos e as possibilidades que essa nova situação abre para as empresas?
Demel
O maior risco é o aumento da inflação. O desafio é preservar a inflação em níveis baixos e isso não depende apenas da indústria. As chances estão ligadas ao aumento da competitividade internacional, mas para isso é preciso que não haja alta da inflação.
Folha - O sr. prevê aumento das exportações?
Demel
- Não dá para prever hoje como serão as exportações das montadoras brasileiras nos próximos meses. As perspectivas melhoraram em comparação com os últimos meses de 98. Mas depende da economia de outros países.
Folha - A desvalorização do real vai provocar um aumento imediato no preço dos carros?
Demel
- Os produtos importados vão aumentar com certeza. As montadoras não vão poder absorver esses custos. Se você pegar todos os fabricantes e fizer as contas vai ver que a indústria está no vermelho. E quem está no vermelho não pode assumir isso.
Folha - Qual será o efeito dessa desvalorização da moeda brasileiro sobre o futuro do Mercosul?
Demel
Uma forte desvalorização da moeda brasileira nos próximos meses -por exemplo, de 25%- vai provocar mudanças em outros países também e, entre eles, os nossos vizinhos do Mercosul.
Folha - O índice de nacionalização dos carros que a Volkswagen vai produzir na nova fábrica do Paraná é pequeno. O Audi A3 terá apenas 35% de peças nacionais no início de fabricação. Isso não torna o carro mais caro que o previsto?
Demel
- Os carros produzidos aqui ficarão mais caros de qualquer maneira, por causa do aumento dos impostos. É evidente que quanto maior o conteúdo local, maior a vantagem. Vamos nacionalizar o que for viável. Com certeza, as empresas vão procurar usar cada vez mais componentes nacionais. Esse é o momento certo para iniciar a produção local de carros em vez de importar.
Folha - Qual é a capacidade de produção da fábrica de São José dos Pinhais?
Demel
- De 550 carros por dia.
Folha - Vai haver mercado para essa produção?
Demel
- Este ano não teremos dores de cabeça. A capacidade ociosa em 99 no Paraná não será grande. Pretendemos produzir em 99 entre 35 mil e 40 mil carros. Achamos que esses carros serão todos vendidos. Mas prever hoje o comportamento do mercado o ano todo é quase impossível.
Folha - A Volkswagen é líder de mercado, mas tem perdido terreno para os concorrentes nos últimos anos. Isso vai se repetir em 99, apesar dos novos lançamentos?
Demel
- Na soma, as quatro grandes montadoras vão perder mercado para as novas fábricas. Nos próximos anos, o Brasil terá mais montadoras do que qualquer outro país. Serão cerca de 15.
Folha - Há espaço para todas?
Demel
- Para produzir e vender, sim. Mas para usar toda a capacidade instalada, não. Todas as fábricas que investiram aqui pensaram no longo prazo. Com certeza seríamos bem mais felizes se também no curto prazo o mercado fosse melhor. A maior parte das empresas começou a pensar a vir para cá quando o crescimento do mercado era forte. Ninguém previu a queda de 98. Ninguém previu o que aconteceria com o real.
Folha - Nesse novo cenário, com 15 montadoras no país, qual a fatia de mercado que uma empresa terá de conquistar para garantir a liderança? A Volkswagen pode continuar com 30% das vendas?
Demel
A Volkswagen vai perder mais um pouco de terreno este ano, como todas as outras grandes. Mas vamos permanecer na liderança. Não podemos sonhar em conservar 30% no longo prazo. Vamos agressivamente defender nossa posição, mas vamos perder mercado. Em 99, a previsão é perder cerca de dois pontos percentuais em relação a 98.
Folha - O sr. acredita em aumento do desemprego este ano na indústria automobilística?
Demel
Vai depender do mercado. Não posso falar por todas as montadoras, mas acredito que ainda serão necessárias algumas adaptações durante este ano.



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