São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Índice

[+]artigo

Evo Morales arrecada, mas não investe

ÉRICA FRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em pouco mais de um ano de mandato, o presidente da Bolívia, Evo Morales, provou ser um hábil negociador. Experiente sindicalista, Morales exagera nas demandas até o limite e, quando é preciso, recua. A combinação entre agressividade e pragmatismo garantiu a renegociação de contratos com as empresas que atuam no setor de hidrocarbonetos no ano passado e, agora, um aumento no preço do gás pago pelo Brasil. Mas a destreza exibida pelo presidente-sindicalista tem faltado ao Morales-gestor.
Arrecadação recorde de impostos -graças não somente aos maiores impostos pagos pelo setor de gás mas também aos altos preços internacionais de minerais- não se traduziu em aumento substancial dos investimentos públicos.
O setor público da Bolívia encerrou 2006 com um superávit fiscal nominal estimado em nada menos que 6% do PIB. Esse é um nível de poupança exageradamente alto para um país com as necessidades de investimento da Bolívia, país mais pobre da América do Sul que, embora ainda exiba um nível alto de endividamento, tem se beneficiado das iniciativas de perdão de dívidas dos organismos multilaterais.
Segundo dados da Udape (Unidad de Análisis de Políticas Económicas y Sociales), instituto vinculado ao Ministério do Planejamento, enquanto a arrecadação do setor público boliviano aumentou 40% no ano passado em relação a 2005, o total de investimentos públicos cresceu apenas 17%.
Embora o total de investimentos em infra-estrutura tenha aumentado 31%, o valor destinado à carente área social encolheu 6%.
Os governos central e regionais foram os que apresentaram os piores níveis de execução do orçamento planejado. Em média, os departamentos só realizaram 48% dos investimentos programados, e há casos como o do Servicio Nacional de Caminos (órgão federal responsável pelas estradas), que só gastou 42% do previsto.
A relativa lentidão no ritmo de expansão de investimentos, apesar do forte aumento na arrecadação, deve-se em grande medida à baixa capacidade de implementação do governo. Na tentativa de atender às demandas por cargos das diversas correntes -por vezes antagonistas- que formam ou apóiam o MAS (Movimiento al Socialismo), Morales se cercou de gente sem experiência.
A situação é agravada nos departamentos, que, embora sejam os grandes beneficiados pela renda do gás, enfrentam, além de problemas de gestão, a burocracia gerada pela alta centralização administrativa em La Paz.
É quase uma certeza que essa situação tende a se agravar à medida que as pressões de diferentes setores sobre o governo aumentarem, já que a histórica polarização de interesses entre a região mais pobre do altiplano boliviano e a área mais rica do leste tem se acentuado. A dúvida é como o governo vai reagir.
O problema é que governos com baixa capacidade técnica para implementar projetos de investimentos geralmente só têm dois caminhos a seguir: o da paralisia (mais ou menos o que aconteceu em 2006) ou o dos gastos descontrolados, via também conhecida como populismo. A gestão Morales vem tentando evitar a segunda rota. Mas até quando resistirá se sua popularidade -até então alta, acima dos 50%- começar a ser afetada pela percepção do eleitorado de que não está se beneficiando da renda do gás?
O aumento significativo na renda do setor de hidrocarbonetos dificilmente tiraria a Bolívia do subdesenvolvimento nos quatro anos restantes do governo Morales (nem mesmo em nove, caso consiga emenda constitucional e se reeleja em 2010). Mas certamente, se bem usados, esses recursos ajudariam a aliviar a situação de pobreza do país.
Resta saber se o presidente-sindicalista é capaz de usar o pragmatismo que exibiu nas negociações com empresas de gás e o governo do Brasil para colocar a casa em ordem e aceitar dar maior autonomia aos governos locais. Esse é talvez o maior desafio de Morales neste segundo ano de mandato.


Érica Fraga é analista de América Latina da consultoria britânica Economist Intelligence Unit em Londres.


Texto Anterior: Reservas na América do Sul disparam
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.