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Evo Morales arrecada, mas não investe
ÉRICA FRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em pouco mais de um ano
de mandato, o presidente da
Bolívia, Evo Morales, provou
ser um hábil negociador. Experiente sindicalista, Morales exagera nas demandas até
o limite e, quando é preciso,
recua. A combinação entre
agressividade e pragmatismo
garantiu a renegociação de
contratos com as empresas
que atuam no setor de hidrocarbonetos no ano passado e,
agora, um aumento no preço
do gás pago pelo Brasil. Mas a
destreza exibida pelo presidente-sindicalista tem faltado ao Morales-gestor.
Arrecadação recorde de
impostos -graças não somente aos maiores impostos
pagos pelo setor de gás mas
também aos altos preços internacionais de minerais-
não se traduziu em aumento
substancial dos investimentos públicos.
O setor público da Bolívia
encerrou 2006 com um superávit fiscal nominal estimado em nada menos que
6% do PIB. Esse é um nível
de poupança exageradamente alto para um país com as
necessidades de investimento da Bolívia, país mais pobre
da América do Sul que, embora ainda exiba um nível alto de endividamento, tem se
beneficiado das iniciativas
de perdão de dívidas dos organismos multilaterais.
Segundo dados da Udape
(Unidad de Análisis de Políticas Económicas y Sociales),
instituto vinculado ao Ministério do Planejamento, enquanto a arrecadação do setor público boliviano aumentou 40% no ano passado em
relação a 2005, o total de investimentos públicos cresceu apenas 17%.
Embora o total de investimentos em infra-estrutura
tenha aumentado 31%, o valor destinado à carente área
social encolheu 6%.
Os governos central e regionais foram os que apresentaram os piores níveis de
execução do orçamento planejado. Em média, os departamentos só realizaram 48%
dos investimentos programados, e há casos como o do
Servicio Nacional de Caminos (órgão federal responsável pelas estradas), que só
gastou 42% do previsto.
A relativa lentidão no ritmo de expansão de investimentos, apesar do forte aumento na arrecadação, deve-se em grande medida à baixa
capacidade de implementação do governo. Na tentativa
de atender às demandas por
cargos das diversas correntes
-por vezes antagonistas-
que formam ou apóiam o
MAS (Movimiento al Socialismo), Morales se cercou de
gente sem experiência.
A situação é agravada nos
departamentos, que, embora
sejam os grandes beneficiados pela renda do gás, enfrentam, além de problemas
de gestão, a burocracia gerada pela alta centralização administrativa em La Paz.
É quase uma certeza que
essa situação tende a se agravar à medida que as pressões
de diferentes setores sobre o
governo aumentarem, já que
a histórica polarização de interesses entre a região mais
pobre do altiplano boliviano
e a área mais rica do leste
tem se acentuado. A dúvida é
como o governo vai reagir.
O problema é que governos com baixa capacidade
técnica para implementar
projetos de investimentos
geralmente só têm dois caminhos a seguir: o da paralisia (mais ou menos o que
aconteceu em 2006) ou o dos
gastos descontrolados, via
também conhecida como populismo. A gestão Morales
vem tentando evitar a segunda rota. Mas até quando resistirá se sua popularidade
-até então alta, acima dos
50%- começar a ser afetada
pela percepção do eleitorado
de que não está se beneficiando da renda do gás?
O aumento significativo na
renda do setor de hidrocarbonetos dificilmente tiraria
a Bolívia do subdesenvolvimento nos quatro anos restantes do governo Morales
(nem mesmo em nove, caso
consiga emenda constitucional e se reeleja em 2010).
Mas certamente, se bem usados, esses recursos ajudariam a aliviar a situação de
pobreza do país.
Resta saber se o presidente-sindicalista é capaz de
usar o pragmatismo que exibiu nas negociações com empresas de gás e o governo do
Brasil para colocar a casa em
ordem e aceitar dar maior
autonomia aos governos locais. Esse é talvez o maior desafio de Morales neste segundo ano de mandato.
Érica Fraga é analista de América Latina da
consultoria britânica Economist Intelligence
Unit em Londres.
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