São Paulo, terça-feira, 18 de março de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Ajudar um bancão: não tem preço


Para o Fed, despejar dinheiro e baixar juro já não basta: "o importante é participar" e ficar com uns papéis podres

DAR DINHEIRO público ou deixar quebrar não parece mais a alternativa em debate nos EUA. A discussão agora é a respeito dos recipientes do dinheiro: bancos e/ou compradores de casas?
Um senador democrata dedou ontem que o governo dá tratos à bola para permitir que empresas quase-estatais de crédito imobiliário expandam os empréstimos. Oferecer mais crédito pode ajudar a conter a depreciação dos imóveis, o que estimula calotes, desvaloriza papéis imobiliários etc. Refinanciar dívida antiga do consumidor é outra opção.
Mas ontem ficaram mais estridentes os pedidos para que o governo (o Tesouro ou o Fed) compre papéis podres dos bancos. Como isso é estrambótico, ainda mais em ano de recessão e eleição, a alternativa é o Fed, o Banco Central dos EUA, "garantir" tais papéis, oferecendo empréstimos "sine die", sem data certa de pagamento, em troca da papelada. O Fed não precisa vender tais títulos na xepa, como as instituições financeiras têm sido obrigadas a fazer a fim de levantar dinheiro.
No que diz respeito à finança, na prática o Fed já adotou a segunda alternativa. Primeiro, de forma tímida, por meio de um redesconto disfarçado e mais em conta, a "Term Auction Facility", que o Fed vai renovando. O redesconto "oficial" dos BCs é onde bancos tomam empréstimos caros para cobrir buracos de caixa temporários e excepcionais.
Na semana passada, o Fed marcara para o dia 27 o início da oferta de troca (empréstimo temporário) de títulos da dívida pública, do Tesouro, os "treasuries", por papéis imobiliários que ninguém quer -os "treasuries" servem de garantia para empréstimos no mercado. Essa "Term Securities Lending Facility" ajudaria agentes de mercado do Fed ("dealers", como bancos de investimento que cheiram queimado).
No domingo, o Fed enfim abriu o redesconto para bancos de investimento (como o Bear, que quebrou, como Lehman, Goldman etc). No domingo ainda emprestou US$ 30 bilhões para o Bear, devorado pelo JPMorgan, a fim de cobrir eventual depreciação dos papéis do banco -se os papéis perdem valor, o prejuízo fica no Fed, não no JPMorgan.
Um probleminha adicional é que os títulos podres já não são apenas aqueles lastreados por hipotecas de segunda ("subprime"), mas também aqueles que dependem de hipotecas menos tóxicas, de empréstimos concedidos para aquisições de empresas, de empréstimos pessoais sacados contra o valor da casa etc.
O socorro do Fed, porém, não dá conta do fato de que a engrenagem da recessão já começou a girar. Muitos consumidores americanos simplesmente quebraram depois de anos de superendividamento. Outros quebrarão, pois o desemprego cresce. Quebrados não pagam dívidas, arrebentam ainda mais a banca, e consomem menos, avariando as por enquanto saudáveis empresas americanas. O "grande resgate" do sistema financeiro poderia, sim, evitar ou atenuar novas ondas de contágio da economia "real" pela ruína da finança. Mas se desconhece o tamanho do dano que a crise financeira já provocou no "mundo real".
É aí que mora o perigo para economia como o Brasil. Um colapso profundo no consumo americano vai espalhar brasa da China até nós.

vinit@uol.com.br


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