São Paulo, sábado, 18 de abril de 2009

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CESAR BENJAMIN

O FMI e o Brasil


Uma nova geração de governos, entre os quais o nosso, internalizou as "condicionalidades" do FMI


O SISTEMA monetário criado na conferência de Bretton Woods (1944) previa que o dólar seria a moeda de referência internacional, com o Estado norte-americano garantindo a sua conversibilidade em ouro, a uma taxa fixa.
Entre o dólar e as demais moedas, haveria taxas de câmbio também fixas, ajustáveis segundo certas regras. Países que apresentassem desequilíbrios externos nas relações comerciais e de serviços poderiam recorrer a uma nova instituição, o FMI, que realizaria empréstimos para que eles ajustassem os seus balanços de pagamentos com um mínimo de prejuízo para os fluxos internacionais. As transações financeiras estavam excluídas desse arranjo, pois a ordem de Bretton Woods previa que elas seriam estritamente regulamentadas pelos Estados nacionais.
O sistema implodiu no início da década de 1970, quando os Estados Unidos decidiram retirar-se do tratado. Anunciaram o fim da conversibilidade dólar-ouro e, em seguida, desvalorizaram a sua moeda. Constituiu-se desde então -não por acordo, mas por imposição- um novo padrão monetário, também centrado no dólar, agora sem lastro, e com taxas de câmbio flutuantes.
Nesse contexto, havendo desequilíbrios nas relações de um país com os demais, a taxa de câmbio, em tese, valoriza-se ou se desvaloriza, promovendo ajustes sem o recurso a uma instituição internacional. As funções originais, para as quais o Fundo foi criado, perderam o sentido.
Depois de um período de incertezas sobre o destino da instituição, iniciou-se uma redefinição de seu papel. Ela passou a ser usada para promover "reformas estruturais" nas economias periféricas, reformas associadas à construção da nova ordem unipolar surgida depois do fim da Guerra Fria. Em 1998, Lawrence Summers, então secretário do Tesouro dos Estados Unidos (agora de volta ao governo), caracterizou o FMI como "o mais importante veículo disponível para realizar reformas nos países emergentes".
À revelia dos seus estatutos e da função que lhe fora atribuída por acordo internacional, o Fundo passou a interferir agressivamente na reorganização das economias e das sociedades periféricas, exigindo medidas (abertura financeira, privatizações, reformas previdenciárias etc.) estranhas à sua esfera de competência original. Tornou-se um instrumento do poder americano.
No terreno macroeconômico, a orientação do FMI aos países periféricos se fixou, basicamente, em três pontos: a) metas de superávit primário, de modo a garantir a transferência de recursos das sociedades (via recolhimento de impostos) para os credores (via pagamento do serviço das dívidas); b) políticas monetárias contracionistas, voltadas para reduzir o consumo interno e forçar os países a exportar mais, de modo a gerar os dólares necessários à solvência externa; c) plena liberdade de movimentação de capitais, para que as transferências de recursos ao exterior não enfrentassem obstáculos.
Tais políticas geraram desastres sucessivos. A imagem do FMI se desgastou. Uma nova geração de governos, porém, entre os quais o nosso, internalizou tais "condicionalidades" macroeconômicas, antes impostas de fora para dentro. Em torno delas formou-se um falso consenso, pois o debate foi asfixiado. Hoje, o que importa é saber se a instituição pode desempenhar algum papel no trânsito para um sistema internacional multipolar, que exige a construção de um novo padrão monetário, como vários países vêm defendendo. Tarefa gigantesca.
Se quiser ter um papel relevante no mundo, o Brasil não pode se omitir nessa questão.

CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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