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Em 3D, índios dizem que vão lutar contra Belo Monte
Cineasta de "Avatar" quer gravar documentário sobre contenda indígena contra usina
James Cameron dorme na
rede e come feijão com
carne de porco caçado na
aldeia durante viagem a
terras indígenas no Pará
SOFIA FERNANDES
ENVIADA ESPECIAL A ALTAMIRA
"Vamos matar e morrer pelo
nosso povo", disse o cacique.
Seu peito liso, adornado com
colar de miçangas, encontrou o
apoio de uma camisa entreaberta, pelos à mostra. O abraço
do índio custou ao homem
branco uma viagem de barco de
12 horas pelos rios Xingu e Bacajá, partindo de Altamira (PA),
subindo correnteza e cortando
a linha imaginária onde está
prevista a construção de uma
das duas barragens da usina de
Belo Monte, na chamada Volta
Grande do Xingu.
Para o cineasta James Cameron, o convite para ir à aldeia
Mrotidjam, na terra indígena
Trincheira Bacajá, foi um empurrão para credenciar seu
mais novo filme, "Avatar", como uma obra de referência em
engajamento ambiental, e não
apenas uma alegoria tecnológica. A história do Xingu contra
Belo Monte casou com o mundo fantástico de Pandora e vice-versa, um achado para Cameron. "Foi como encontrar o navio Titanic no fundo do mar."
O cacique Raoni, líder da etnia caiapó, esperava por Cameron com mais uma dezena de lideranças indígenas da bacia do
Xingu, que também viajaram
por horas pela "casa dos deuses", significado de Xingu. O sol
já se punha quando a comitiva
gringa chegou ao território indígena, percebidos de primeira
pela criançada na beira do rio.
O Brasil se confirmou para os
visitantes quando estes avistaram um papagaio no chão, e logo a seguir dezenas de índios
fumando seus cachimbos e ensaiando suas danças. A equipe
de Cameron contava com duas
pessoas para registrar a expedição, que acumularam mais de
mil gigabytes em fotos e vídeos
ao longo da viagem. A proposta
do cineasta canadense é de, no
próximo mês, reunir uma equipe para voltar ao Xingu e gravar
um documentário em 3D sobre
a contenda indígena contra Belo Monte. Será um tipo de experimento para testar audiência,
um material a ser incorporado
a uma edição extra do DVD de
"Avatar", explicou Cameron.
O lábio alargado de Raoni é
seu eterno lembrete de que o
esforço para falar deve sempre
valer a pena. Sem pressa, debulhou seu discurso fermentado
por décadas para Cameron, assim como fez com Sting, em
1989. Foi quando ganhou projeção mundial e aprendeu que o
homem estrangeiro pode fazer
mais barulho que uma tribo em
fúria aos ouvidos de quem interessa.
Raoni tem fala reiterada contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Lula prometeu que
não faria a barragem", disse o
chefe caiapó. É recorrente ouvir dos líderes indígenas que
Lula é o pior de todos, o mais
implacável em relação a questões ambientais. Com a ajuda
de representantes de organizações, como a Amazon Watch e o
Isa (Instituto SocioAmbiental),
os índios formularam uma carta de pedidos. Querem ser ouvidos no processo de construção
da hidrelétrica e querem que
Cameron interceda por eles
com o governo. Na lista, há
também o pedido de ajuda financeira ao cineasta, pois querem reunir com mais frequência os chefes de aldeia que serão
afetados por Belo Monte, caso
construída nos moldes atuais.
O litro de gasolina na região,
usada para alimentar as voadeiras, custa cerca de R$ 2,90.
O cineasta acenava positivamente com a cabeça todo o
tempo, antes mesmo da tradução do caiapó para o português,
e do português para o inglês.
Esteve sempre ladeado por sua
mulher, Susan, e eventualmente pelos atores de "Avatar" Sigourney Weaver e Joel More.
Dormiu na rede, comeu feijão
com carne de porco caçado na
aldeia e estudou mapas, inclusive durante a longa viagem de
voadeira. "Sou um macaco curioso", disse.
Com o dedo percorrendo o
papel, Cameron encontrou a aldeia Mrotidjam, de etnia xikrin, cravada no leito do Bacajá,
e ouviu a explicação de que o lugar deve sofrer com a seca do
rio, caso a barragem de Belo
Monte seja construída. A aldeia
depende totalmente dos recursos da água para viver, comer e
se locomover. Algumas aldeias
correm o risco de perder o fluxo
de água que permite a navegação, que já é comprometida nas
épocas de seca, de agosto a dezembro.
Cameron acha que o seu papel, como um "homem do futuro", como gosta de se definir, é
evitar que aconteça no Brasil o
mesmo que os Estados Unidos
e seu povo indígena enfrentaram. Ele diz não entender a objeção que sofreu de parte da
opinião pública sobre sua visita
e descarta ser uma ameaça à soberania da Amazônia e do país.
Alega que não há o interesse em
criar uma entidade no Brasil
para a questão de Belo Monte,
mas estuda apoiar entidades,
como a Amazon Watch. "Não
quero intervir diretamente na
estratégia do povo e não quero
gerar disputa entre os organismos que já existem", afirmou.
Cameron cogita criar um fundo
para financiar algumas ações a
favor do Xingu e de energias renováveis.
A repórter SOFIA FERNANDES viajou a convite da ONG Amazon Watch
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