São Paulo, domingo, 18 de abril de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Nero e a fraude dos bancos


Xerife do mercado acusa bancão de fraude numa engenharia financeira que detonou a crise de 2007/9


COMO SE sabe, o Goldman Sachs está sendo acusado nos EUA de fraude, de crime, pela SEC, a instituição que supervisiona o mercado de títulos financeiros. O bancão, famoso por ter saído forte e sacudido da crise, teria colocado clientes numa armadilha. O responsável por inventar a engenharia financeira da fraude era Fabrice Tourré, então 31, um vice-presidente do Goldman. Pouco antes da explosão da crise, deu uma de Nero no incêndio de Roma. Mandou para um amigo o seguinte e-mail: "O edifício está para desabar a qualquer momento (...). Único potencial sobrevivente, o fabuloso Fab(rice Tourré) (...) vai ficar de pé no meio de todos esses negócios exóticos complexos e altamente alavancados que ele criou sem necessariamente entender todas as implicações dessas monstruosidades (sic)!!!!" A crise de 2007/9 começou com calotes de prestações da casa própria. Bancos e investidores tinham aplicado dinheiro em títulos cujo rendimento vinha de um fundo composto pelo pagamento dessas prestações (títulos lastreados em hipotecas, os MBS). Tais títulos passaram a não valer nada, mesmo com poucos calotes. A casa caiu. Outra aplicação eram os títulos cujo rendimento derivava do valor desses outros títulos, desses MBS. Um desses títulos eram os CDOs sintéticos. Um CDO sintético era composto por outros derivativos, como os CDS, "credit default swaps", um tipo de seguro financeiro contra calotes. Num lado do CDS estava quem quer se precaver do calote. Recebe o dinheiro se houver inadimplência. Mas paga "prestações" para quem banca o seguro. O Goldman é acusado de montar um CDO baseado em CDS referentes a hipotecas que tinham grande chance de dar em calote. Um CDO montado sob medida para um "hedge fund" que queria apostar e ganhar dinheiro com o calote. Quem aplicou na solvência das hipotecas perdeu milhões. CDOs eram vendidos por vários bancos -e comprados por outros, vários dos quais faliram. Em parte por causa dos prejuízos com CDOs. Tais operações ocorriam em mercados desregulados. Eram contratadas entre grandes investidores. Puro mercado. O que se depreende disso? Que, deixado solto ou até com alguns arreios, o mercado se endivida para apostar em instrumentos financeiros socialmente inúteis. Que muita vez alocam capital de modo irracional quando não criminoso (distinção por vezes tola). Que o autointeresse do agente econômico livre não serve de freio algum a bandalheira e a crises. O segurador último dos danos da finança é o Estado. Ainda que exista a tentação de deixar o mercado se "corrigir", com falências em série, não se pode deixar tal coisa ocorrer, dados os efeitos sociais e os riscos políticos de tumulto. Tal sistema se desenvolveu com apoio dos ideólogos da época, os economistas das grandes universidades dos Estados Unidos, e seus discípulos, que dirigiam o mercado e as instituições reguladoras. Tais instituições e o Congresso foram capturados pelo interesse da finança, por sua vez justificada pelo economicismo e variantes. Isso se chama fraude sistêmica. Nero foi um detalhe.

vinit@uol.com.br


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