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"Brasil deveria diversificar sua imagem turística"
Para fundador do guia "Lonely Planet", percepção do país no exterior permanece muito restrita ao Rio e à Amazônia
Tony Wheeler cita exemplos de Tailândia e Peru e conta que seu último investimento é série de guias da China produzidos por chineses
LUÍS FERRARI
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
Em sua segunda visita ao
Brasil, Tony Wheeler, fundador do "Lonely Planet", o guia
de viagens mais vendido no
mundo -mais de 100 milhões
de exemplares em 37 anos-,
acha que o país deve mostrar ao
mundo mais que o Rio e a Amazônia. Ele recebeu a Folha anteontem.
FOLHA - Como o Brasil pode incrementar seu turismo?
TONY WHEELER - Não viajei tanto
assim pelo Brasil, mas há dois
pontos que destacaria. A imagem do país é muito focada em
um número limitado de atrações. Qualquer um no exterior,
quando indagado sobre o Brasil, fala no Rio (com a estátua do
Cristo, as praias e a garota de
Ipanema) e na Amazônia (sendo percebida como um rio caudaloso cercado de árvores). Há
tanto mais no Brasil que fica de
fora. Gostei especialmente de
Salvador e sei que há muitos
outros pontos atrativos, que, se
mais divulgados, atrairiam turistas estrangeiros. Outro fator
é a imagem de que o país é grande e que há o risco de ser roubado a qualquer momento. A
Olimpíada é uma excelente
oportunidade para atacar tais
pontos.
FOLHA - O que deveria ser mostrado no exterior pelo Brasil?
WHEELER - Parte do problema
no Brasil é que o turismo aparenta ser desenvolvido em direção ao visitante dos EUA. Mas
eles não são grandes viajantes
em comparação com os europeus, para quem é mais difícil e
caro chegar aqui. Acho que deveria haver divulgação em várias frentes. O turismo é construído em inúmeros pequenos
passos bem mais que num grande investimento de foco único.
FOLHA - Há exemplos de outros
países?
WHEELER - Nos anos 70, o turismo na Tailândia era quase todo
voltado para os americanos
com alguma relação com Guerra do Vietnã. Depois atraiu mochileiros. A seguir, quando conseguiu mostrar diversidade
-ótimas praias, pontos de mergulho, ruínas históricas, cidades antigas, boa comida-, passou a ter um turismo mais requintado. E o país é um grande
"hub" regional, servindo de
porta de entrada para quem deseja conhecer os vizinhos. Os
tailandeses souberam aproveitar suas vantagens -e é interessante notar como o mesmo
pode ser feito pelo Brasil.
Na América Latina, o Peru
conseguiu divulgar uma série
de imagens interessantes também. Tanto que é nosso guia
mais vendido da região.
FOLHA - Estrangeiros relatam dificuldade em se comunicar em inglês
e falta de rotas aéreas diretas entre
alguns centros turísticos no Brasil...
WHEELER - Não encontrei tais
problemas. Concedi palestras
em faculdades aqui. Havia tradução simultânea disponível,
mas não notei tanta gente com
fone na plateia. Quanto aos
voos, não tive más experiências. Tomei cinco aviões e todos
chegaram no horário, não houve problema de bagagem, os aeroportos eram limpos.
FOLHA - O transporte é majoritariamente rodoviário e aéreo...
WHEELER - Sim, notei que não
há trens. É um problema. Ouvi
que há um projeto de trem-bala
entre São Paulo e o Rio. Nos
próximos 50 anos, será necessário investir nos trens. O tráfego nas rodovias está perto do limite e no ar caminha para o
mesmo. A resposta é o trem,
mas compete aos governos a
decisão de investir.
FOLHA - Como aproveitar no turismo o legado de uma Olimpíada, de
maneira a manter o fluxo de visitantes após o evento, como fez Barcelona e como não fez Atlanta?
WHEELER - Barcelona-92 foi
uma Olimpíada de sucesso, e
Atlanta-96 não. Em Barcelona
houve uma enorme restauração, eles de fato reinventaram a
imagem da cidade. Era percebida como uma cidade desgastada e perigosa. Depois, passou a
ser vista como moderna, histórica, interessante. Em Atlanta
não houve nenhuma transformação na cidade.
FOLHA - O mundo encolheu desde
seu primeiro guia, há 37 anos. Como
manter-se vivo num mercado em
mutação com a internet?
WHEELER - É difícil. É preciso
estar em todas as plataformas,
investir na internet, no Twitter, no Facebook, criar guias
para iPhone. A internet é um
sucesso em termos de penetração, no número de pessoas que
veem a mensagem, mas nem
tanto em termos de lucro. Independentemente de como as
pessoas vão querer as informações. Então teremos de pesquisar, ir aos locais, conhecer os
hotéis, restaurantes e contar. O
diferencial é ir aos lugares. Não
importa se a mensagem chega
via livro, site, iPhone.
FOLHA - Seus primeiros guias eram
focados em viagens de baixo custo.
Com o tempo, programas mais caros passaram a aparecer. Por quê?
WHEELER - Fiquei mais velho e
quero mais conforto [risos].
Tentamos cobrir todas as áreas,
do baixo custo ao alto luxo
atualmente. Mas não abro mão
do baixo custo. As viagens dos
jovens são as mais importantes,
porque um rapaz de 20 anos
que compra o guia hoje e gosta
do produto vai consumir os
guias por 30, 40 anos. E são pioneiros, buscam lugares novos,
não se importam com as dificuldades das viagens. Um turista de 60 anos vai consumir por
10 anos, mas não durante 20.
FOLHA - Como a joint venture com
a BBC afetou o "Lonely Planet"?
WHEELER - Com os livros não
mudou nada. Eles [BBC] tiveram um enorme empenho no
site e nos aplicativos do iPhone.
A parceria dura dois anos e
meio, e estamos muito contentes com seus resultados.
FOLHA - Muitos chineses e japoneses viajam com seus guias. Há um
produto especial para os orientais?
WHEELER - Estamos fazendo.
Neste mês, estamos lançando
uma série de guias regionais na
China, em chinês. A maior dificuldade é que não havia escritores de viagem chineses. Como viajavam pouco, não tinham experiência para apurar
um guia. Então mandamos
uma série de profissionais ocidentais fluentes em mandarim
para acompanhar os chineses.
Eles então aprenderam como
pesquisar para o guia e agora fazem por conta própria.
FOLHA - O "New York Times" esconde o rosto de sua crítica gastronômica. O "Lonely Planet" publica
fotos dos autores de seus guias.
Qual a melhor estratégia?
WHEELER - Li o livro da crítica
do "Times". É ótimo. Mas várias publicações exibem seus
críticos, e os problemas são raros. Do ponto de vista dos autores, eles querem fama, querem
ser conhecidos para escrever
outros trabalhos, escrever para
revistas. Mas, claro, quando
viajam em pesquisa para o guia,
a discrição é o ideal.
FOLHA - Há uns anos, houve um
problema com o guia da Colômbia.
Como afetou o "Lonely Planet"?
WHEELER - Um escritor dissera
que não havia pesquisado o
guia direito, que não havia ido à
Colômbia. Mas ele não estava
pautado para viajar, era só para
escrever a parte histórica. Havia, sim, sido incumbido de viajar ao Brasil antes. E repetimos
a checagem de tudo o que ele
havia visto aqui. E não registramos problemas. Foi, como dizemos na Inglaterra, uma tempestade numa xícara de chá.
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