São Paulo, domingo, 18 de abril de 2010

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"Brasil deveria diversificar sua imagem turística"

Para fundador do guia "Lonely Planet", percepção do país no exterior permanece muito restrita ao Rio e à Amazônia

Tony Wheeler cita exemplos de Tailândia e Peru e conta que seu último investimento é série de guias da China produzidos por chineses

LUÍS FERRARI
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO

Em sua segunda visita ao Brasil, Tony Wheeler, fundador do "Lonely Planet", o guia de viagens mais vendido no mundo -mais de 100 milhões de exemplares em 37 anos-, acha que o país deve mostrar ao mundo mais que o Rio e a Amazônia. Ele recebeu a Folha anteontem.

 

FOLHA - Como o Brasil pode incrementar seu turismo?
TONY WHEELER - Não viajei tanto assim pelo Brasil, mas há dois pontos que destacaria. A imagem do país é muito focada em um número limitado de atrações. Qualquer um no exterior, quando indagado sobre o Brasil, fala no Rio (com a estátua do Cristo, as praias e a garota de Ipanema) e na Amazônia (sendo percebida como um rio caudaloso cercado de árvores). Há tanto mais no Brasil que fica de fora. Gostei especialmente de Salvador e sei que há muitos outros pontos atrativos, que, se mais divulgados, atrairiam turistas estrangeiros. Outro fator é a imagem de que o país é grande e que há o risco de ser roubado a qualquer momento. A Olimpíada é uma excelente oportunidade para atacar tais pontos.

FOLHA - O que deveria ser mostrado no exterior pelo Brasil?
WHEELER - Parte do problema no Brasil é que o turismo aparenta ser desenvolvido em direção ao visitante dos EUA. Mas eles não são grandes viajantes em comparação com os europeus, para quem é mais difícil e caro chegar aqui. Acho que deveria haver divulgação em várias frentes. O turismo é construído em inúmeros pequenos passos bem mais que num grande investimento de foco único.

FOLHA - Há exemplos de outros países?
WHEELER - Nos anos 70, o turismo na Tailândia era quase todo voltado para os americanos com alguma relação com Guerra do Vietnã. Depois atraiu mochileiros. A seguir, quando conseguiu mostrar diversidade -ótimas praias, pontos de mergulho, ruínas históricas, cidades antigas, boa comida-, passou a ter um turismo mais requintado. E o país é um grande "hub" regional, servindo de porta de entrada para quem deseja conhecer os vizinhos. Os tailandeses souberam aproveitar suas vantagens -e é interessante notar como o mesmo pode ser feito pelo Brasil. Na América Latina, o Peru conseguiu divulgar uma série de imagens interessantes também. Tanto que é nosso guia mais vendido da região.

FOLHA - Estrangeiros relatam dificuldade em se comunicar em inglês e falta de rotas aéreas diretas entre alguns centros turísticos no Brasil...
WHEELER - Não encontrei tais problemas. Concedi palestras em faculdades aqui. Havia tradução simultânea disponível, mas não notei tanta gente com fone na plateia. Quanto aos voos, não tive más experiências. Tomei cinco aviões e todos chegaram no horário, não houve problema de bagagem, os aeroportos eram limpos.

FOLHA - O transporte é majoritariamente rodoviário e aéreo...
WHEELER - Sim, notei que não há trens. É um problema. Ouvi que há um projeto de trem-bala entre São Paulo e o Rio. Nos próximos 50 anos, será necessário investir nos trens. O tráfego nas rodovias está perto do limite e no ar caminha para o mesmo. A resposta é o trem, mas compete aos governos a decisão de investir.

FOLHA - Como aproveitar no turismo o legado de uma Olimpíada, de maneira a manter o fluxo de visitantes após o evento, como fez Barcelona e como não fez Atlanta?
WHEELER - Barcelona-92 foi uma Olimpíada de sucesso, e Atlanta-96 não. Em Barcelona houve uma enorme restauração, eles de fato reinventaram a imagem da cidade. Era percebida como uma cidade desgastada e perigosa. Depois, passou a ser vista como moderna, histórica, interessante. Em Atlanta não houve nenhuma transformação na cidade.

FOLHA - O mundo encolheu desde seu primeiro guia, há 37 anos. Como manter-se vivo num mercado em mutação com a internet?
WHEELER - É difícil. É preciso estar em todas as plataformas, investir na internet, no Twitter, no Facebook, criar guias para iPhone. A internet é um sucesso em termos de penetração, no número de pessoas que veem a mensagem, mas nem tanto em termos de lucro. Independentemente de como as pessoas vão querer as informações. Então teremos de pesquisar, ir aos locais, conhecer os hotéis, restaurantes e contar. O diferencial é ir aos lugares. Não importa se a mensagem chega via livro, site, iPhone.

FOLHA - Seus primeiros guias eram focados em viagens de baixo custo. Com o tempo, programas mais caros passaram a aparecer. Por quê?
WHEELER - Fiquei mais velho e quero mais conforto [risos]. Tentamos cobrir todas as áreas, do baixo custo ao alto luxo atualmente. Mas não abro mão do baixo custo. As viagens dos jovens são as mais importantes, porque um rapaz de 20 anos que compra o guia hoje e gosta do produto vai consumir os guias por 30, 40 anos. E são pioneiros, buscam lugares novos, não se importam com as dificuldades das viagens. Um turista de 60 anos vai consumir por 10 anos, mas não durante 20.

FOLHA - Como a joint venture com a BBC afetou o "Lonely Planet"?
WHEELER - Com os livros não mudou nada. Eles [BBC] tiveram um enorme empenho no site e nos aplicativos do iPhone. A parceria dura dois anos e meio, e estamos muito contentes com seus resultados.

FOLHA - Muitos chineses e japoneses viajam com seus guias. Há um produto especial para os orientais?
WHEELER - Estamos fazendo. Neste mês, estamos lançando uma série de guias regionais na China, em chinês. A maior dificuldade é que não havia escritores de viagem chineses. Como viajavam pouco, não tinham experiência para apurar um guia. Então mandamos uma série de profissionais ocidentais fluentes em mandarim para acompanhar os chineses. Eles então aprenderam como pesquisar para o guia e agora fazem por conta própria.

FOLHA - O "New York Times" esconde o rosto de sua crítica gastronômica. O "Lonely Planet" publica fotos dos autores de seus guias. Qual a melhor estratégia?
WHEELER - Li o livro da crítica do "Times". É ótimo. Mas várias publicações exibem seus críticos, e os problemas são raros. Do ponto de vista dos autores, eles querem fama, querem ser conhecidos para escrever outros trabalhos, escrever para revistas. Mas, claro, quando viajam em pesquisa para o guia, a discrição é o ideal.

FOLHA - Há uns anos, houve um problema com o guia da Colômbia. Como afetou o "Lonely Planet"?
WHEELER - Um escritor dissera que não havia pesquisado o guia direito, que não havia ido à Colômbia. Mas ele não estava pautado para viajar, era só para escrever a parte histórica. Havia, sim, sido incumbido de viajar ao Brasil antes. E repetimos a checagem de tudo o que ele havia visto aqui. E não registramos problemas. Foi, como dizemos na Inglaterra, uma tempestade numa xícara de chá.


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