São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CONVERSA INDISCRETA

TV exibe diálogo de FHC com Fox em que ele ataca a insensibilidade dos EUA com a América Latina

Microfone flagra critica de FHC aos EUA

France Press
Os presidentes Vicente Fox (esq.) e Fernando Henrique Cardoso


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Sem saber que a conversa estava sendo captada por um microfone de alta sensibilidade, o presidente Fernando Henrique Cardoso criticou para seu colega mexicano Vicente Fox a insensibilidade dos Estados Unidos para a necessidade de ajudar os países pobres da América Latina.
A conversa aconteceu durante uma das sessões da Cúpula União Européia/América Latina e Caribe, iniciada ontem em Madri, e foi levada ao ar pelo canal Tele5, inclusive com legenda para que ficasse claro o que cada presidente falava, embora o som fosse bastante nítido.
A conversa começou com manifestações de espanto de ambos pelo progresso da Espanha nos últimos anos, qualificado por FHC como "brutal".
FHC comentou que estivera pela primeira vez na Espanha em 61 ou "nos anos 60". Completou: "Era um país muito pobre".
Fox concordou: "A renda per capita da Espanha era igual à do México, uns US$ 3 mil. Hoje, o México continua com a mesma renda, mas a da Espanha foi para US$ 14 mil".
Intervém FHC para dizer que o progresso espanhol se deveu "a um forte apoio europeu". Fox lembra, então, que também Portugal e Grécia se beneficiaram do apoio dos países ricos da Europa, especialmente da Alemanha, o mais rico de todos.
Fernando Henrique traz então a conversa para a América Latina, para dizer que só os Estados Unidos poderiam fazer algo semelhante em favor dos países pobres da região, que são mais pobres e em maior número do que os países pobres da União Européia.
"É o que deveria fazer", responde Fox. FHC então fulmina: "Não o faz porque não tem essa concepção". A crítica pode ter duas interpretações: ou é aos governos norte-americanos em geral ou é mais específica para o atual governo, o de George Walker Bush, que tem recebido uma sequência de críticas ácidas do presidente brasileiro, a partir dos atentados de 11 de setembro em Nova York.
Ontem, houve mais uma sessão de ataques ao unilateralismo norte-americano, não só de parte de FHC mas de vários líderes, europeus e latino-americanos, que participam da cúpula de Madri A ajuda européia aos países de menor desenvolvimento relativo é de fato abundante, a ponto de alguns especialistas dizerem que, em cada pedra de cada obra pública tanto de Portugal como de Espanha dos últimos 15 anos, há uma parte ao menos de recursos fornecidos pela União Européia.
Portugal e Espanha aderiram à então Comunidade Européia em 1986 e, por mais que a diferença entre eles e os países ricos da Europa continue elevada, é visível o "brutal" progresso da Espanha citado por FHC.
Inspirados por esse modelo, há países latino-americanos que sugerem que, nas negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), haja um mecanismo similar.
Claro que, nesse caso, o financiamento teria que vir, quase todo, dos Estados Unidos, já que, além deles, só o Canadá tem status de país desenvolvido entre os 34 que comporão a Alca, se ela vier a ser criada.
O indiscreto diálogo foi ao ar na televisão espanhola no momento em que os governantes se preparavam para o jantar oferecido pelo rei da Espanha, ao qual a mídia não teve acesso, para poder ouvir reações dos envolvidos.
O governo norte-americano não quis comentar a conversa entre FHC e Fox sob a alegação de que não se trata de declarações públicas, mas sim de uma versão do que seria o conteúdo de uma conversa privada.
No entanto, um funcionário do Departamento de Estado e outro da Casa Branca disseram que o presidente George W. Bush recentemente aumentou de US$ 10 para US$ 15 bilhões a ajuda dos EUA para combater a pobreza na região.



Texto Anterior: Painel S.A.
Próximo Texto: Presidente propõe "agenda da esperança"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.