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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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DISTENSÃO

Discussão sobre dólar vai além da definição da taxa ideal e envolve interesses contraditórios de vários setores

Além de técnica, questão cambial é política

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

A questão cambial no Brasil não é apenas técnica, mas política. Definir se o dólar no patamar atual -abaixo dos R$ 3- é bom ou ruim para o país envolve remexer em interesses contraditórios, amarras legais e velhos problemas estruturais, jamais resolvidos, como o "custo Brasil".
O real valorizado acirrou os ânimos de analistas e empresários, nas últimas semanas, porque trouxe à luz problemas de competitividade, ineficiências e pressões localizadas de custos que se tenta sanar com um dólar mais robusto. "Cada setor ou empresa tem o seu câmbio ideal, adaptado ao tamanho dos seus custos e dificuldades", diz Michel Allaby, presidente da Adebim (Associação de Empresas Brasileiras para a Integração de Mercados).
O setor exportador, por exemplo, que "surfou" na onda ascendente do câmbio no ano passado, agora teme a despencada do vagalhão. "Os altos custos de escoamento da safra agrícola, devido às estradas ruins e à estrutura portuária deficiente, se diluem quando o dólar está a R$ 4", diz Emílio Garófalo, ex-diretor da área externa do Banco Central.

Problemas setoriais
O impacto do câmbio, porém, é desigual entre os exportadores. Responsável por 32% dos US$ 60,3 bilhões de exportações brasileiras de 2002, o setor de agribusiness é o que se equilibra mais precariamente sobre a prancha da variação cambial.
Nesse caso, o dólar barato põe a nu, além do "custo Brasil", dificuldades conjunturais, como quedas de produção e de vendas e aumentos de custos. "Os produtores de café, por exemplo, devem ter neste ano uma safra menor -cairá de 48 milhões de sacas no segundo semestre de 2002 para 33 milhões no segundo semestre deste ano", diz Fábio Silveira, economista da MB Consultores.
Já os produtores de açúcar, que se comprometeram com o governo em reduzir a produção para fabricar mais álcool, também torcem por um dólar mais valorizado. Compensariam, assim, a queda no volume exportado.
Também o setor de carnes deve encolher suas vendas lá fora por conta de barreiras protecionistas da Europa e da Rússia. Além disso, o aumento do preço do boi gordo deve provocar uma queda de quase 6% na rentabilidade das exportações dos frigoríficos, segundo projeção da MB.
Os exportadores de carne suína e frangos, como a Sadia, do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, também sofrerão pressão de custos. No ano passado, os preços do milho e da soja tiveram aumento médio de 70%. "Essas empresas estão produzindo animais a um custo elevado, pois compraram insumos com os preços em alta lá atrás", diz André Vainer, analista do banco Pactual.
A saída para os exportadores de café, açúcar e carnes deverá ser o chamado "contingenciamento" das exportações. "Eles ficarão na muda à espera de um câmbio melhor para compensar a queda no volume exportado e o aumento de custos", diz Silveira.
Esse movimento já é visível na primeira quinzena deste mês. Segundo dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior), os embarques de carne caíram para uma média diária de US$ 13 milhões na segunda semana deste mês em comparação com os US$ 22,2 milhões da semana anterior.
Segundo Silveira, os volumes de exportação do setor de agribusiness acompanham a curva da taxa real de câmbio. "Desde dezembro, quando o câmbio parou de subir, as forças para puxar os volumes para baixo ficaram muito fortes", diz ele.
Esse movimento, porém, não deverá provocar estragos na balança comercial, segundo os analistas. Ela será salva pelas exportações de soja, único segmento que não será contaminado pela valorização do real.
O setor está com os preços internacionais no pico. "Isso está turbinando os volumes exportados e as receitas dos exportadores", diz Silveira.



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