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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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Fluxos excessivos de investimentos de curto prazo são vistos como perigosos para economias em desenvolvimento

Debate sobre controle de capital ganha força

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

A apreciação do real nos últimos meses ressuscitou no Brasil o debate sobre a eficiência de controles de capital e mecanismos de intervenção cambial em mercados emergentes.
Tem crescido no país a defesa, até por partidários da ortodoxia, da adoção de medidas que evitem uma valorização cambial excessiva causada pela entrada de capitais de curto prazo.
Essas discussões acontecem quase paralelamente a semelhante debate no exterior.
Até ícones da ortodoxia mundial, como a revista britânica "The Economist" e o economista John Williamson -pai do receituário liberal conhecido como Consenso de Washington- vieram a público recentemente retificar sua antiga posição contrária à intervenção e aos controles de capital.
Ainda que persistam várias divergências entre pensamentos ortodoxos e heterodoxos em relação a esse assunto, o debate deve se manter em evidência por um bom tempo. Ao menos enquanto persistir a impressionante tendência de volta de capitais especulativos para países emergentes.
Dados da consultoria AMG Data mostram que, neste ano até a última sexta-feira, os hedge funds dedicados a investir em mercados emergentes contabilizavam captação líquida de US$ 1,93 bilhão. O número é quatro vezes superior ao registrado em todo o ano passado, sendo que em 2000 e 2001 a captação havia sido negativa.
Investimentos volumosos deveriam ser motivo para comemoração, não para queixa, certo? Ao menos o receituário liberal pregou durante muitos anos a seguinte tese: embora quanto mais longo melhor, todo e qualquer fluxo de capital é bom. Isso inspirou a abertura do mercado de capitais em vários países em desenvolvimento, como o Brasil, no início dos anos 90.
Mas experiências seguidas de crises financeiras em mercados emergentes modificaram bastante essa percepção. Hoje, de forma geral, fluxos excessivos de investimentos de curto prazo são vistos como perigosos para economias em desenvolvimento.
Em um mundo globalizado em que capitais circulam livremente e podem se deslocar de um país a outro num piscar de olhos, os riscos associados a um refluxo de saída desses recursos são altos.
Essa é a questão que tem embalado o debate sobre controles de capital. A economia brasileira tem abocanhado uma grande fatia desses recursos de curto prazo. Prova disso são a apreciação do real que já chega a 20% neste ano -embora a última semana tenha sido de desvalorização- e o recuo de 40% no risco-país.
Segundo Luis Fernando Lopes, economista-chefe do JP Morgan, os investimentos em títulos da dívida soberana de países emergentes têm sido de, aproximadamente, US$ 650 milhões por uma média móvel de quatro semanas. O Brasil, nas contas do economista, tem recebido 20% disso, ou cerca de US$ 130 milhões: "Desde antes da crise asiática, não vemos nada parecido com isso".
Esse movimento tem despertado duas preocupações principais. A primeira se refere às contas externas. Alguns economistas temem que uma forte valorização da moeda prejudique a competitividade do país, reduzindo o saldo da balança comercial.
A segunda é fruto do trauma das crises financeiras dos últimos anos e está associada ao temor de que uma saída repentina e maciça de capitais de curto prazo desestabilize a economia do país.
É quase unanimidade entre os economistas que o governo deveria tomar alguma medida para evitar que o real se aprecie excessivamente. Mas o cardápio de receitas sugeridas é variado. Sergio Werlang, diretor do Banco Itaú, e Lopes, do JP Morgan, acham, por exemplo, que o Banco Central poderia começar reduzindo o percentual de rolagem da dívida atrelada ao câmbio, hoje equivalente a 34,7% do endividamento total.
"Sou a favor de um câmbio mais desvalorizado, em torno de R$ 3,10", afirma Werlang. O dólar encerrou a última sexta-feira cotado a R$ 2,945.
Lopes diz que as operações de "swap" cambial ofertadas pelo BC têm dado ao mercado chances de arbitragem: bancos, por exemplo, têm captado recursos lá fora e aplicado aqui a taxas mais altas. A remuneração do chamado cupom cambial (taxa de juros em dólar recebida por quem compra "swap cambial") já caiu bastante, mas ainda tem dado ganhos anuais em torno de 6%. "Se o BC elimina essa chance de arbitragem, reduz o apetite do capital de curto prazo pelo país", diz Lopes.
Para o economista Fernando Cardim, da UFRJ, o governo já poderia ter tomado outras medidas mais heterodoxas, como a intervenção direta no mercado de câmbio ou a adoção de alguma forma de controle cambial na entrada de recursos do país.
"O atual governo, como o anterior, parece imune às evidências do risco de fluxos de capital especulativo. O risco disso é que, novamente, a gente acabe aprendendo à força num momento de refluxo desses capitais", diz Cardim.
Divergências sobre o que fazer no curto prazo à parte, os economistas concordam que, se o fluxo de capitais de curto prazo aumentar muito, vale considerar alguma forma de controle que limite a entrada desses recursos. Sugestão que, há bem pouco tempo, ofenderia ouvidos mais liberais.



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