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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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"FASE DOIS"

Armando Monteiro Neto, presidente da entidade, afirma que proposta tributária é tímida e questiona papel atual do BNDES

Falta nitidez na política industrial, diz CNI

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Apesar de rasgados elogios à habilidade política e negociadora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Armando Monteiro Neto, critica duramente o governo. Diz que a proposta de reforma tributária é "excessivamente tímida" e cobra a definição de políticas para as áreas industrial, tecnológica, regional e social.
"A política científica está uma confusão, e a política industrial não foi explicitada. Qual o papel do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]? Não está claro", diz ele.
Na sua opinião, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, "corre o sério risco de perder a posição de protagonismo", o do Planejamento, Guido Mantega, nunca abriu a boca para falar de equilíbrio regional e o da Integração Nacional, Ciro Gomes, está sozinho: "É o Ciro e só o Ciro".
"Qual a política regional? Até agora, ainda não internalizaram nem explicitaram política nenhuma de desenvolvimento regional", disse Monteiro Neto.
Pernambucano, 51 anos, ele é empresário do setor de máquinas e sucroalcooleiro, deputado federal pelo PTB (era do PMDB até a última terça-feira) e preside a CNI desde outubro de 2002, época da eleição de Lula.
 
Folha - Qual é a sua opinião sobre esse início do governo Lula?
Armando Monteiro Neto -
Sem dúvida, há um consenso no setor de que Lula está surpreendendo positivamente. Ele é um político hábil, um negociador competente. A disposição para a interlocução, para o diálogo, é uma das características mais fortes dele. Ninguém consegue sair de uma conversa com o presidente sem ficar bem impressionado. A percepção da comunidade empresarial mudou muito em relação ao ano passado. O clima era de desconfiança recíproca. Agora, há um amplo consenso de que ele vai bem.
Também nunca foi tão fácil falar com os ministros, discutir propostas. Desde o início do governo, doze ministros já vieram aqui, alguns mais de uma vez, além do vice-presidente José Alencar e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Já vieram do Palocci [Antonio Palocci Filho, da Fazenda], ao Cristovam Buarque [Educação]. E não é para coquetéis. É para debater propostas.

Folha - Então, o governo é um sucesso?
Monteiro Neto -
Não, eu não disse isso. O presidente Lula e a esquerda brasileira aprenderam muito com os traumas da esquerda na América Latina e, hoje, têm uma compreensão muito grande dos limites para operar mudanças e transformações num país complexo como o Brasil. Eles têm plena consciência da importância do equilíbrio e da institucionalidade.

Folha - Sim, e o governo?
Monteiro Neto -
O Lula está muito bem, mas não se pode dizer o mesmo do governo. A coordenação da economia, com Palocci, e a articulação política, com José Dirceu [Casa Civil], indiscutivelmente funcionam bem. Mas não se pode dizer que o governo esteja funcionando bem no seu conjunto. Falta nitidez na política industrial e nos rumos da política tecnológica e falta articulação na área social. O Ministério de Ciência e Tecnologia parece adotar uma linha de priorizar a ciência básica, teórica, acadêmica, o que é um recuo. Hoje, a busca da inovação é crucial para moldar o futuro da indústria brasileira. Deve-se priorizar a pesquisa aplicada no próprio ambiente produtivo. Os fundos setoriais do MCT foram um avanço do governo Fernando Henrique Cardoso, não pode haver um recuo nisso.
A questão se torna ainda mais complicada com uma combinação: a política científica está confusa e a política industrial ainda não foi explicitada. Qual é o papel do BNDES na nova política de desenvolvimento? Não está claro.
Na área social, há muitas idéias, muitos projetos, mas qual o sentido de articulação? Nenhum. Qual o conceito? Qual a metodologia? O que aconteceu com o que vinha sendo feito na direção correta?

Folha - Como o sr. está vendo a nova etapa da discussão sobre estabilidade com crescimento?
Monteiro Neto -
A disposição do presidente e do governo é promover um maior ativismo governamental nas políticas de desenvolvimento. Isso é bom. A economia brasileira tem alguns gargalos históricos, na infra-estrutura e na carga tributária, na questão do financiamento, por exemplo, que amarram o desenvolvimento. É importante, sim, haver uma aliança estratégica do setor público com o setor privado, inclusive na dimensão institucional, para a promoção da competitividade na economia brasileira.
O problema é que, apesar dessa postura, principalmente do presidente Lula, há uma enorme, evidente perplexidade conceitual. Como vai ser? A política industrial vai ser horizontal ou vai ter um foco vertical, setorial, priorizando que setores estratégicos? Ninguém sabe.

Folha - O ministro Luiz Gushiken (Comunicação e Gestão Estratégica) idealizou um núcleo estratégico justamente para discutir essas questões, mas causou ciumeira interna. Furlan, por exemplo, deu um pulo.
Monteiro Neto -
Quanto mais perto do Lula a discussão se fizer, inclusive fisicamente, melhor. O presidente arbitra, as discussões não se perdem.

Folha -Traduzindo: o sr. acha que, centrada em Gushiken, a discussão está com Lula?
Monteiro Neto -
Exatamente.

Folha - E o Furlan?
Monteiro Neto -
Tem sido muito cooperativo, é um operador competente, não é um criador de problema. Mas ele tem sido muito monotemático, fala muito em exportação, exportação, exportação. Se o ministério dele não tiver uma ação mais nítida e mais agressiva de política industrial, de desenvolvimento, ele corre o sério risco de perder a posição de protagonismo no processo. Daí porque se cria um núcleo aqui, um grupo ali, uma comissão acolá.

Folha - O sr. é nordestino. O que está achando da política de desenvolvimento regional?
Monteiro Neto -
Que política? Até agora, ainda não internalizaram nem explicitaram política nenhuma de desenvolvimento regional no governo.

Folha - E o Ministério de Integração Nacional?
Monteiro Neto -
Ministérios assim só existem quando não há uma visão global, real, de equilíbrio federativo e regional. Como não há essa visão ordinariamente, cria-se um ministério extraordinário. Nem sempre funciona. Eu admito que o Ciro até tenta fazer as coisas andarem, mas o ministério dele foi mesmo incorporado ao núcleo de poder? O BNDES fala alguma coisa sobre isso? E o Guido Mantega? Eu nunca ouvi uma palavra dele sobre a questão regional. Embora o presidente tenha enorme visão de país, o governo ainda não incorporou nem demonstrou isso.



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